Do ponto de vista fiscal dos preços de transferência, os temas ESG assumem um protagonismo e relevância crescente, na medida em que, juntamente com outros fatores disruptivos (v.g., Covid-19, instabilidade geopolítica no leste da Europa , digitalização, etc.), têm um vínculo direto com as cadeias de valor relevantes para os grupos multinacionais, impactando-as profundamente. Com efeito, num contexto em que as cadeias de valor têm vindo a verificar alterações profundas, os temas ESG afetam diretamente distintas dimensões das mesmas, apresentando-se de seguida alguns exemplos sucintos de áreas em que esta realidade se manifesta:
- Inovação e desenvolvimento do produto: novas formas de produção que permitam uma redução de emissões, desenvolvimento de fontes energéticas mais sustentáveis, minimização de desperdícios, etc.
- Função de compras: traçabilidade da origem dos produtos/matérias-primas, predominância de fornecedores locais e reforço de vínculos com a comunidade local;
- Produção e embalagem: reciclagem e uso de embalagens compostáveis;
- Cadeia de abastecimento: reforço da transparência ao longo da mesma;
- Marca, publicidade e marketing: procura do aumento de clientes através de produtos mais sustentáveis, novos nichos de mercado;
- Vendas: maior incidência na colaboração com os vendedores/distribuidores em ações que conduzam ao reforço do seu bem-estar e sustentabilidade futura dos seus negócios.
Conforme referido, os exemplos anteriores ilustram a forma como os temas ESG podem gerar impactos nas cadeias de valor, levando à reformulação das mesmas mediante novas formas de operar, as quais, necessariamente, levarão a uma reconfiguração dos mecanismos de geração de valor nos grupos económicos. Em multinacionais presentes em diversas jurisdições, esta realidade poderá implicar a necessidade de adaptar os respetivos modelos de preços de transferência, por forma a garantir, através do reforço da robustez destes, uma coerência entre os novos mecanismos de geração de valor e os resultados financeiros obtidos em cada jurisdição, os quais serão naturalmente sujeitos a tributação.
Por outro lado, as atividades levadas a cabo pelas multinacionais relacionadas com os temas ESG podem, para além da reconfiguração das respetivas cadeias de valor (com a consequente necessidade de revisitar e adaptar os modelos de preços de transferência), originar o desenvolvimento específico de IP (Intelectual Property) adicional ao já existente. Esta realidade poderá, por sua vez, criar oportunidades adicionais para gerar uma maior eficiência na gestão da função fiscal dos grupos multinacionais, através de um maior alinhamento entre a estrutura de negócio e a estrutura legal/fiscal, aproveitando mecanismos de alocação de despesas relacionadas com o IP, incentivos fiscais à I&D, implementação da prestação de serviços de alto valor acrescentado, centralização de funções relacionadas com I&D, etc.
Tendo em conta tudo o que foi anteriormente exposto, é importante reforçar a ideia de que a implementação de medidas relacionadas com ESG ao longo das cadeias de valor dos grupos multinacionais, pode gerar novos desafios e questões do ponto de vista de preços de transferência, os quais deverão ser geridos de maneira proativa por forma a evitar riscos fiscais futuros e permitir o aproveitamento de eventuais oportunidades relacionadas com uma maior eficiência na gestão da carga fiscal global.