O Programa do XXIV Governo Constitucional
O programa do Governo liderado por Luís Montenegro foi entregue e discutido na Assembleia da República no passado mês de abril. Conforme era expectável – tendo em conta o programa eleitoral da Aliança Democrática – o Programa do XXIV Governo Constitucional trouxe a terreiro uma verdadeira mudança de paradigma face ao último Executivo, nomeadamente na área das Finanças e, em específico, no que concerne à sua política fiscal. Mais recentemente, foi aprovado em Conselho de Ministros o Programa Acelerar a Economia, o qual visa dar forma ao referido Programa de Governo através da implementação de 60 medidas de cariz fiscal e económico, entre as quais se destaca, como uma das “cabeças-de-cartaz”, a redução gradual da taxa nominal de IRC dos atuais 21% para 15%.
O novo Governo pretende utilizar a política fiscal como um instrumento de promoção do crescimento da economia portuguesa, nomeadamente através da atração de investimento direto estrangeiro (“IDE”). Nesta senda, o Executivo de Luís Montenegro reiterou a sua vontade de: (i) Reduzir gradualmente a taxa geral de IRC dos atuais 21% para 15% (a um ritmo de 2 pontos percentuais por ano); (ii) Eliminar gradualmente a progressividade da Derrama Estadual e a Derrama Municipal; (iii) Promover a estabilidade tributária.
Ora, para avaliarmos a pertinência das intenções do novo Executivo, importa detalharmos a atual estrutura do IRC e, bem assim, compreendermos o papel que a política fiscal pode desempenhar no crescimento da economia, procurando prever quais poderão ser as consequências das intenções do novo Governo, caso estas se venham a consubstanciar em efetivas alterações legislativas.
Estrutura do IRC em Portugal
De facto, a taxa geral de IRC em Portugal fixa-se, atualmente, em 21%. Sendo que, na verdade, os sujeitos passivos que qualifiquem como pequena ou média empresa (PME) ou empresa de pequena-média capitalização (small-mid cap), têm a possibilidade de verem os primeiros 50.000€ da sua matéria coletável serem tributados a uma taxa reduzida de IRC de apenas 17%.
Não obstante, a taxa estatutária de IRC máxima em Portugal atinge os 31,5%… Como?
À taxa geral de IRC acrescem a Derrama Municipal (receita das autarquias locais) e a Derrama Estadual (a medida “transitória” e de “caráter excecional” que perdura desde 2010).
A Derrama Municipal pode atingir, no máximo, uma taxa de 1,5% do lucro tributável das empresas, cabendo a cada município a competência para deliberar a taxa que pretende aplicar.
Por sua vez, a Derrama Estadual – introduzida, inicialmente com caráter excecional e transitório, em resposta à crise financeira e económica de 2009 e à consequente necessidade de financiamento dos cofres públicos – constitui um tributo que incide sobre a quota-parte do lucro tributável das empresas que exceda 1,5M€. Em face da sua natureza progressiva – a qual tem sido amplamente criticada por, num contexto em que escasseiam as empresas de grande dimensão capazes de competir à escala global, contribuir para a divisão das bases tributáveis e desincentivar as operações de concentração de empresas –, a Derrama Estadual apresenta 3 escalões de tributação, aos quais se aplicam as taxas de 3%, 5% e 9%.
Em conjunto, formam, segundo o International Tax Competitiveness Index 2023, desenvolvido pela Tax Foundation, a taxa marginal de IRC mais elevada de entre os países europeus da OCDE (31,5%) e, bem assim, um péssimo cartão de visita, que coloca Portugal, não raras vezes, na lista negra dos investidores estrangeiros. Na mesma linha, segundo dados recentes da OCDE, também no campo da taxa efetiva média de IRC – indicador que melhor permite avaliar a carga fiscal sobre as empresas – Portugal não tem boas notícias para dar aos seus investidores, em face da sua 3.ª posição no ranking das taxas efetivas mais elevadas.
Política fiscal como motor do crescimento económico
A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulgou, recentemente, o seu estudo sobre o impacto do IRC na economia portuguesa, o qual procurou concluir sobre o seguinte:
- Qual o impacto esperado na economia portuguesa de uma redução da taxa efetiva de IRC?
- Qual o impacto desta instabilidade legislativa na economia portuguesa?
- Qual o impacto da progressividade do IRC na economia portuguesa?
Ora, quanto ao impacto esperado da redução da taxa efetiva de IRC (a qual poderá ser atingida, nomeadamente, através da redução das taxas nominais previamente descritas), a FFMS concluiu que uma redução da taxa efetiva de IRC para todos os escalões em 7,5 pontos percentuais faria o PIB aumentar significativamente a curto, médio e longo prazo, chegando a aumentar em 1,4% face ao seu estado inicial pré-reforma do IRC, após dez anos. Segundo o estudo da FFMS, esta diminuição do IRC tornaria os bens produzidos nas empresas portuguesas relativamente mais competitivos face aos produzidos no exterior, estimulando as exportações. Por sua vez, seria expectável um aumento do consumo, não apenas por consequência do aumento dos lucros disponíveis para os investidores, mas também por conta do aumento da remuneração do trabalho.
No que concerne à instabilidade legislativa, o estudo da FFMS simulou o impacto das reformas em V no IRC (i.e., casos em que, a uma reforma do IRC destinada a promover o investimento, se segue um movimento legislativo de sinal contrário, num reduzido intervalo temporal). Para o efeito, simulou-se uma descida inicial de 7,5 pontos percentuais no nível do IRC português, seguida de uma reversão inesperada desta descida, também em 7,5 pontos percentuais, pretendendo-se simular uma situação em que os agentes económicos estão a tomar as suas decisões com base em determinados pressupostos, os quais acreditam que perdurarão no tempo, captando, assim, de que forma um choque nesses pressupostos pode afetar as duas decisões e, por consequência, a economia portuguesa. Segundo concluiu a FFMS, as reformas em V no IRC têm impacto negativo sobre a atividade económica, podendo mesmo eliminar qualquer ganho resultante de uma redução prévia do IRC e criar perdas permanentes na atividade económica portuguesa.
Por fim, em relação a uma eventual diminuição da progressividade do IRC, nomeadamente através de uma reforma nos escalões superiores do IRC – alcançada, no estudo, através de uma redução da taxa média efetiva direcionada apenas aos escalões superiores, simulando um efeito aproximado da eliminação da Derrama Estadual –, o estudo da FFMS mostra que é expectável um aumento do PIB, do consumo e do investimento privado.
Em suma, o estudo da FFMS conclui que a política fiscal, nomeadamente através da reforma do IRC, pode (e deve) ser utilizada como um instrumento privilegiado na indução do crescimento económico, recomendando a redução geral da taxa de IRC para todas as empresas, a eliminação gradual das derramas estaduais e municipais (acompanhada das necessárias medidas de ajustamento orçamental) e, bem assim, a implementação de medidas que permitam mitigar a instabilidade fiscal que tem marcado o sistema português nas últimas décadas.
Conforme referido anteriormente, parece que a intenção do Executivo liderado por Luís Montenegro, patente no seu Programa de Governo e, mais recentemente, no Programa Acelerar a Economia, passa exatamente por tomar medidas no sentido de reduzir a carga fiscal sobre as empresas e descomplicar o IRC. Neste contexto, resta-nos aguardar e perceber até que ponto as intenções do novo Governo se poderão consubstanciar em efetivas alterações legislativas!