Com a entrada em vigor em agosto deste ano do Decreto-Lei n.º 48/2020, de 3 Agosto (DL 48/2020), foram definidos os procedimentos associados à submissão do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, que era a condição prévia e necessária para tornar obrigatório a submissão do referido ficheiro para efeitos da entrega da Informação Empresarial Simplificada/ Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES/ DA).
Desde 2019 que se aguardava a conclusão do quadro regulamentar que efetivasse a obrigação de submissão do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, agora concluído com a publicação do referido diploma legal.
De referir que este quadro regulamentar com origem em medidas de simplificação administrativa, tem como objetivo o pré-preenchimento dos anexos A e I da IES/ DA com base nos dados do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade.
O DL 48/2020 vem assim:
- Salientar a importância da geração de um ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade em conformidade com a legislação em vigor
- Neste termos, e de acordo com a alínea a) do artigo 3º do DL 48/2020, os programas de contabilidade devem garantir que, antes de qualquer operação inerente à submissão, tenham a capacidade de gerar ficheiro em conformidade com as regras de estrutura previstas na Portaria n.º 302/2016, de 2 de dezembro (última revisão da Portaria n.º 321 -A/2007, de 26 de março, que já contempla as taxonomias).
- Estabelecer as operações a efetuar antes da submissão do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade
- De acordo com o artigo 2º do DL 48/2020, os programas de contabilidade passam a utilizar um WebService da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S. A. (INCM), para receber uma chave, que lhes permita descaracterizar, através de algoritmo de cifra simétrica, os campos relativos a descrições e dados pessoais contidos no ficheiro. O pedido efetuado via Webservice será feito mediante o Número de Identificação Fiscal e ano de reporte do ficheiro do sujeito passivo.
- Os campos a descaracterizar são já identificados no anexo do presente Decreto-Lei, e dizem respeito a toda e qualquer descrição (ex. de contas) e dados pessoais (ex. de clientes) contidos nas várias tabelas do ficheiro.
- Os programas de contabilidade terão ainda que gerar uma soma de verificação (checksum) do ficheiro gerado originalmente antes da respetiva descaracterização.
- Definir as regras para a submissão do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade
- De acordo com a alínea d) do artigo 3º do DL 48/2020, o ficheiro passa a ser submetido junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no formato descaracterizado e adicionalmente deve ser enviado a respetiva Será este último elemento que permite à AT validar que o ficheiro após reversão da descaracterização corresponde ao ficheiro original.
- Estipular a utilização dos dados do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade submetido pela AT
- De acordo com o artigo 5º do DL 48/2020, a AT utilizará os dados do ficheiro, após validação e agregação por taxonomia, para efeitos da entrega da IES/DA, e procederá em seguida à eliminação de todos os dados de detalhe da sua base de dados.
- Os ficheiros submetidos serão, contudo, armazenados, podendo ser acedidos exclusivamente no âmbito de um procedimento inspetivo, e após notificação ao contribuinte, ficando vedado qualquer outro acesso ou uso pela AT, conforme estatuído no artigo 6º
- Regular o prazo de arquivo do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, após submissão
- De acordo com o artigo 7º do DL 48/2020, os ficheiros serão mantidos até ao final do 15.º ano seguinte àquele a que respeitem
O DL 48/2020, apesar de contribuir para a simplificação do reporte relativo à IES/DA, acarreta desafios e riscos para as organizações.
Mesmo que o procedimento de submissão definido pelo Governo materialize algumas garantias, designadamente relacionadas com a descaracterização de descrições e dados pessoais do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, também prevê que a AT arquive o ficheiro e o guarde durante 15 anos, podendo o mesmo ser usado em caso e no âmbito de uma inspeção tributária.
Desta forma, terá que existir por parte do contribuinte uma elevada certeza sobre a estrutura e qualidade dos dados incluídos no ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, dado que com a sua submissão ficará sujeito, em caso de inspeção, a ter de responder sobre o conteúdo dos mesmos.
Um dos pontos-chave e mais evidentes do risco para os contribuintes prende-se com a capacidade de os programas de contabilidade gerarem o ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade, em conformidade com os requisitos da legislação portuguesa em vigor. Quer seja a nível da estrutura do ficheiro ou de parametrizações e mapeamentos de dados e campos (ex. dados mestre, taxonomias, etc).
Subsistem ainda hoje inúmeros casos de programas de contabilidade que não geram ou geram ficheiros SAF-T (PT) de contabilidade em não conformidade. Uma das principais razões para esse facto deriva da não obrigatoriedade de certificação de programas de contabilidade, tal como acontece para os programas de faturação.
A AT implementou um selo de validação denominado por SVAT para os programas de contabilidade, de natureza não obrigatória, e que certifica o cumprimento de boas práticas para a geração de um ficheiro SAF-T (PT). Contudo, não sendo de natureza obrigatória, existe um número muito reduzido de programas de contabilidade com este certificado ou selo de validação.
Decorrente dos pontos anteriores, existe ainda o risco acrescido de o contribuinte considerar que a responsabilidade da geração de um ficheiro SAF-T (PT) em conformidade com as regras é da responsabilidade do produtor do programa de contabilidade. Contudo, de facto a responsabilidade pelos dados e pela submissão do ficheiro é exclusivamente do contribuinte.
Adicionalmente, e mesmo na presença de um programa de contabilidade que assegure a estrutura e a parametrização e mapeamento de dados em conformidade com a legislação, e se siga os procedimentos contabilísticos apropriados (inerentes ao selo SVAT), existe sempre o risco da qualidade de dados incluídos no ficheiro. Isto decorre tipicamente dos registos manuais e/ou automáticos (ex. resultante da integração com outros sistemas, etc.), que potenciam erros no modelo de dados do ficheiro.
São assim recomendáveis algumas ações por parte do contribuinte:
- Realizar um diagnóstico à conformidade regulatória da estrutura e conteúdo do ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade.
- Caso sejam detetados de erros na qualidade de dados, estrutura ou de parametrizações e mapeamentos de dados e campos, observados na fase de diagnóstico, estabelecer um plano de correções, que pode ser ao nível do próprio programa de contabilidade, dados registados ou mesmo de procedimentos contabilísticos adotados.
- Realizar avaliação das demonstrações financeiras (Balanço e Demonstração de Resultados) com base nas taxonomias, incluídas no ficheiro SAF-T (PT) de contabilidade de forma a validar se os resultados que estão a obter do seu ficheiro (e que servirão para o pré-preenchimento da IES/ DA pela AT) são os esperados.
- Implementar um arquivo para todos os ficheiros SAF-T (PT) de contabilidade submetidos. Desta forma, e em caso de inspeção, terá a mesma versão que a partilhada ou submetida junto da AT
- Para muitas organizações a atualização dos programas informáticos requer a conjugação de diversos intervenientes e tipicamente são longas. Desta forma, quanto mais cedo se começar a planear as intervenções para descaracterização de descrições e dados pessoais, menor risco existirá.
Estas ações, se devidamente implementadas, permitirão os seguintes resultados:
- Garantia que a informação contabilística está em conformidade com os requisitos legislativos
- Antecipação de erros de reporte fiscal, possibilitando a correção nos programas de contabilidade e nos registos da empresa
- Mitigação de riscos de coimas
- Preenchimento correto da IES/DA, em 2021 com os dados de 2020
- Redução do risco em potenciais disputas tributárias
Ficam as sugestões / recomendações de forma a que esta nova vaga de obrigações declarativas possa correr sem grandes sobressaltos e de uma forma totalmente alinhada com as denominadas best practices!