Desde o ano de 2019 que vigora em Portugal o regime fiscal aplicável a ex-residentes, ou familiarmente denominado como programa regressar. Este regime especial aplica-se aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna os seus requisitos e nos quatro anos seguintes, e a sua aplicação depende da verificação de um conjunto de requisitos, os quais correspondiam, na redação inicial, a que os sujeitos passivos não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores ao seu regresso, tenham a sua situação tributária regularizada e tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015, no caso dos sujeitos passivos que se tenham tornado fiscalmente residentes em 2019 ou 2020.
A aplicação temporal deste beneficio tem vindo a ser estendida pelo Governo, sendo que atualmente, e com o Orçamento do Estado para o ano de 2024, o regime aplica-se aos indivíduos que regressem a território português até ao ano de 2026, e que não tenham sido considerados residentes fiscais em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores ao ano em que se tornem cá residentes.
A relembrar que, para além destes dois requisitos legais (i.e. tornar-se residente fiscal até 2026 e não ter sido residente fiscal nos cinco anos anteriores a esse momento), é necessário que quem solicite a aplicação do regime tenha (i) sido residente fiscal em Portugal em qualquer momento anterior aos cinco anos que precedem o início da aplicação do regime, (ii) tenha a sua situação fiscal regularizada e (iii) não tenha solicitado, cumulativamente, o regime dos residentes não habituais. Os benefícios do regime vigoram por um período de cinco anos.
A fim de verificar se o critério da não residência nos últimos cinco anos se encontra preenchido, de acordo com a opinião da Autoridade Tributária veiculada na ficha doutrinária proferida no âmbito do Processo nº 163/2019, deverá considerar-se os anos de calendário completos (isto é, de 1 de janeiro a 31 de dezembro). Assim, se alguém se tornou não residente em Portugal apenas em julho de um determinado ano, esse ano de saída acaba por não ser contabilizado para cumprimento do período dos cinco anos, uma vez que apenas são relevantes os anos civis completos, segundo entende a Autoridade Tributária.
Nesta matéria, esta conclusão é suscetível de diferentes interpretações, pois, tendo a Reforma do IRS resultante da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, introduzido o conceito de residência parcial, resulta consistente com esse conceito que cinco anos se deveria interpretar como o período de sessenta meses e não como cinco anos civis.
Esta questão foi já suscitada no Processo nº 101/2023-T junto do tribunal arbitral, contudo, a análise desta questão ficou precludida, dado que o Tribunal considerou que o Requerente já cumpria os três anos civis como não residente fiscal em Portugal e, portanto, deveria qualificar como ex-residente. Veremos, pois, que desfecho terão outros eventuais processos em que esta questão tenha sido ou venha a ser suscitada.
Em termos de aplicação temporal do regime, enquanto o contribuinte cumpra as condições para ser residente fiscal em Portugal, o regime deveria continuar a aplicar-se na sua totalidade, podendo o mesmo beneficiar de uma exclusão de 50% na tributação dos seus rendimentos do trabalho dependente ou independente (exclusão agora limitada pelo Orçamento do Estado para 2024, aplicando-se a exclusão apenas até ao valor máximo de 250.000€).
Não obstante, e através da Informação Vinculativa emitida pela Autoridade Tributária a 26 de agosto (Processo n.º 26410), vêm os serviços concluir que um contribuinte que saia de Portugal em parte do ano (i.e. setembro de 2023, no caso em concreto), não pode beneficiar do regime nesse mesmo ano (i.e. 2023).
Para melhor percebermos o contexto, o caso versado na Informação Vinculativa é relativo a um contribuinte que residiu e trabalhou em Portugal desde 2020 até setembro de 2023, tendo atualizado a sua morada fiscal para não residente junto da Autoridade Tributária nesse momento. No entanto, devido ao facto de ser sócio-gerente de uma empresa em Portugal, recebeu salários nos 12 meses do ano de 2023 incluindo o período no qual já não vivia em território português.
Ao analisar o seu estatuto de residência fiscal a fim de proceder com a entrega da sua Declaração de IRS para o ano de 2023, deparou-se com constrangimentos práticos quando tentou solicitar a aplicação do regime dos “ex-residentes” uma vez que o sistema não permitia a entrega nem como residente para a totalidade do ano (porque no sistema já se encontrava registado com uma morada estrangeira à data da submissão), nem como residente parcial (pois o regime indicava que não permitia a aplicação do regime dos “ex-residentes” em casos de residência apenas em parte do ano).
Após ter questionado a Autoridade Tributária sobre este constrangimento, vieram os serviços esclarecer que o regime dos “ex-residentes” tem um carácter temporal (por só se aplicar durante o período não renovável de 5 anos), mas também condicional (pois depende da manutenção dos critérios legais de elegibilidade que têm que se manter preenchidos durante os 5 anos de aplicação do benefício).
No caso em concreto, o contribuinte residiu em Portugal na totalidade dos anos de 2020, 2021 e 2022, e para esses cumpria de facto todos os critérios legais para beneficiar do regime. No entanto, e no entendimento da AT, para 2023 esses critérios já não se verificavam pois o contribuinte deixou de ser residente em Portugal no decorrer do ano de 2023, ano no qual o regime ainda se encontrava em vigor.
Os serviços concluiram assim que como se ausentou de território português em setembro de 2023, perdeu o direito a ser tributado pelo regime fiscal dos “ex-residentes” naquele ano, devendo ser tributado como um residente normal às taxas gerais de imposto.
Ora, considerando o disposto no artigo 12.º-A do Código do IRS, a letra da lei é clara no que toca aos critérios de elegibilidade, indicando meramente que os contribuintes devem ser residentes fiscais para a aplicação do regime. No caso em apreço, o contribuinte era efetivamente residente fiscal no momento em que auferiu os rendimentos sobre os quais solicitou a aplicação do regime dos “ex-residentes”, pelo que no momento de obtenção dos valores em causa, preenchia os critérios de elegibilidade para o regime. É de facto perceptível que o regime não é aplicável a partir do momento em que o contribuinte saia de território português, mesmo que aufira rendimentos passíveis de tributação. No entanto, até ao momento da qualificação como não residente, preenche os critérios que lhe permitem beneficiar do regime.
Assim, e ainda que possam ser discutíveis os argumentos apresentados pela Autoridade Tributária, a análise efetuada à aplicação do regime dos “ex-residentes” irá sempre ter impacto prático na medida em que o entendimento vigorará entre os serviços que procederão à análise da elegibilidade do regime com base neste caso. Assim, não deixa de ser relevante salientar o impacto económico considerável aos contribuintes que, ao sairem de Portugal, lhes seja vedada a possibilidade de beneficar do regime mesmo que sejam elegíveis nesse mesmo ano. Também neste caso antevemos que esta questão venha a ser objeto de litigância entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, pois assumindo o Código do IRS o conceito de residência parcial, este conceito deverá ser aplicável independentemente de o contribuinte beneficiar de algum regime especial de tributação, pelo que, dependendo o regime especial de o contribuinte ser considerado residente, o facto de ser residente parcial não deverá obstar à sua aplicação no período de residência.