Não é fácil estar a par de todas as alterações que têm sido efetuadas às taxas de IVA aplicáveis em Portugal. Mesmo quem esteja mais atento a estas alterações deve ficar com algumas dúvidas “existenciais”: Porque é que alguns bens usufruem (ou passam a usufruir) de taxas reduzidas de IVA ou porque é que um mesmo bem pode estar sujeito a diferentes taxas de IVA?
Ao abrigo da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA), os Estados-Membros podem aplicar taxas reduzidas a uma lista ampla de bens e serviços. Esta lista não é estanque e cada um dos Estados-Membros da União Europeia tem margem de manobra para decidir quais os bens e serviços desta lista que devem estar sujeitos a taxas reduzidas de IVA.
A existência de taxas reduzidas de IVA justifica-se pela necessidade de proteção de interesses sociais mais básicos ou essenciais para o funcionamento da sociedade, bem como grupos de pessoas mais vulneráveis.
Os interesses sociais mudam com o tempo e os Estados-Membros usam a sua discricionariedade na aplicação das taxas reduzidas de IVA para acautelar aqueles interesses cuja importância é mais “atual”, sendo também uma faculdade política para ir ao encontro da vontade popular.
Focando na medida que consta da proposta do OE2024, importa referir que a Diretiva IVA permite que os Estados-Membros apliquem uma taxa reduzida aos serviços de restauração, com a possibilidade de excluir bebidas (alcoólicas ou não alcoólicas) deste enquadramento.
Com o objetivo de apoiar o setor da restauração, o Governo optou por alargar a taxa reduzida da restauração aos sumos, néctares e águas gaseificadas que sejam vendidos pelos estabelecimentos desse setor, que estavam excluídos do âmbito de aplicação.
Aparentemente, o Governo entendeu que era mais importante conceder este apoio ao setor e aos seus clientes do que continuar com uma política mais protetora da saúde pública (um dos interesses que justificam a aplicação de taxas reduzidas de IVA), que desincentive o consumo de açúcar entre a população portuguesa. Concorde-se ou discorde-se da medida, não se afigura óbvio o justificativo que leva à aplicação (ou exclusão) da taxa reduzida de IVA a certos bens em detrimento de outros.
Também é pertinente questionar a razão por que este tipo de bebidas (bem como outros alimentos consumidos em restaurante) não usufruem da mesma taxa de IVA quando consumidos em supermercados. Não deveria haver aqui também uma harmonização fiscal?
No caso referente ao processo C-146/22 do TJUE que já foi referido, a requerente YD é um sujeito passivo estabelecido na Polónia que comercializa uma bebida denominada “Classic Hot Chocolate”, que consiste num chocolate quente preparado à base de leite e de um molho de chocolate. A YD apresentou às autoridades fiscais da Polónia um pedido de informação vinculativa sobre a taxa de IVA aplicável a essa bebida.
As referidas autoridades consideraram que, como a bebida era vendida para consumir nos estabelecimentos da requerente ou para levar em regime de takeaway, devia-se aplicar a taxa reduzida de IVA de 8% que é aplicável aos serviços de restauração.
YD contestou esse parecer, alegando que devia ser aplicada uma taxa reduzida de IVA de 5 %, por analogia com as outras entregas de bens referidas no anexo 10 da Lei do IVA polaca, que inclui, nomeadamente, as bebidas à base de leite. A este respeito, atendendo à semelhança entre esses produtos e a bebida em causa no processo principal, invocou uma violação do princípio da neutralidade do IVA, uma infração às regras da concorrência e uma aplicação incorreta da Lei do IVA, acabando por submeter um pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.
Já em sede de reenvio prejudicial, o TJUE refere que, desde que as operações às quais se aplica a taxa reduzida sejam abrangidas por uma das categorias do anexo III da Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal seja respeitado, o legislador nacional é livre para delimitar, no seu direito interno, as categorias às quais pretende aplicar essa taxa reduzida. Neste âmbito, a Diretiva IVA não obsta a que as entregas de bens ou as prestações de serviços que façam parte da mesma categoria do anexo III da Diretiva sejam sujeitas a duas taxas reduzidas de IVA diferentes, desde que o princípio da neutralidade fiscal seja respeitado.
No caso em concreto, o TJUE salienta que as bebidas comercializadas por YD, pelo facto de serem preparadas especificamente a pedido do cliente e entregues quentes, se destinam a ser consumidas imediatamente, quando tal não é necessariamente o caso das bebidas lácteas comercializadas nos estabelecimentos comerciais. Esta diferença pode ter uma influência determinante na escolha do consumidor de adquirir uma ou outra destas bebidas, na medida em que essa escolha não é feita nas mesmas condições nem com o mesmo objetivo, e ainda menos se o consumidor puder alterar a composição das bebidas encomendando ingredientes adicionais.
O TJUE concluiu que é necessário determinar, primeiro, se as bebidas lácteas em causa no processo principal apresentam propriedades análogas, segundo, se satisfazem as mesmas necessidades do consumidor e, terceiro, se as diferenças entre tais bebidas lácteas exercem uma influência determinante na escolha do consumidor médio de adquirir uma ou outra das referidas bebidas. Basta que o terceiro critério não esteja preenchido para que se considere que os bens ou as prestações de serviços em causa não são semelhantes e para que a sua sujeição a taxas reduzidas de IVA diferentes não viole, por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal.
Não sendo este um exercício intuitivo ou de fácil análise, a jurisprudência comunitária ajuda aqui a esclarecer a existência de taxas de IVA diferentes em bens que, para o consumidor comum, seriam idênticos. Os serviços acessórios que acompanham a entrega do produto assumem um caráter diferenciador que justifica um tratamento fiscal distinto.