A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, FAOstat) tem vindo a identificar a que mais de de um terço das emissões globais de Co2 é gerada pelos designados “sistemas de alimentação” (medidos considerando o uso do solo, a agricultura, a refrigeração [uso de energia], embalagem e outros processos indispensáveis ao setor alimentar), com a China, Indonésia, Estados Unidos, Brasil, União Europeia e Índia, ainda a liderar as respetivas emissões.
Dessas emissões, um terço (dois terços das emissões do sistema global de alimentos vêm do setor agrícola, substancialmente alta em países em vidas de desenvolvimento) é, contudo, atenuado considerando a introdução de medidas de combate à perda da biodiversidade e desflorestação ou o aumento de atividades relacionadas com o processamento de alimentos e eficiente refrigeração.
Entre outros, é justamente ao nível do combate à desflorestação que a União Europeia lançou as iniciativas legislativas dentro do pacote EUDR (Regulamento UE n.º 2023/1115), proibindo a importação de produtos provenientes de regiões desflorestadas após dezembro de 2020 e visando minimizar o consumo de produtos provenientes de cadeias de abastecimento associadas à desflorestação ou degradação florestal, reduzindo as emissões de carbono resultantes da produção e consumo na Europa, dos produtos ali abrangidos ou seus derivados (como sejam gado bovino, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira e borracha), estimável em cerca de 32 milhões de toneladas métricas por ano, a partir de 30 de dezembro de 2024.
Todavia, não basta o estabelecimento de metas ambiciosas, importa executar planos de intervenção rápida, tal como já identificado no estudo das Nações Unidas de junho de 2024 “Raising ambition, accelerating action: Towards enhanced Nationally Determined Contributions for forests”, pelo Pnuma (Programa da ONU para o Meio Ambiente), Pnud (Programa da ONU para o Desenvolvimento) e FAO, dos países onde a desflorestação mais se verifica, vários não introduziram à data e para efeitos de 2030 (Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, 2021) quaisquer planos concretos.
De facto, se coletivamente territórios como Costa do Marfim, Camarões, Madagáscar, México, Malásia, Peru, Bolívia, Serra Leoa, Brasil (que vem reduzindo em 22% nos últimos 4 anos essas mesmas emissões), Moçambique, Colômbia, República Democrática do Congo, Guiné Conacri, Libéria, Indonésia, Laos, Mianmar, Tailândia ou Vietname, emitiram segundo dados oficiais, entre 2019 e 2023, 5,6 mil milhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) com a desflorestação tropical, medidas que garantam a humidade das florestas, capacidade de geração de água e retenção, extração ilegal de madeira, entre outras, têm sido insuficientes.
Curioso verificar que, atualmente, a África Ocidental é responsável por 70% da produção mundial de cacau, sendo os maiores países produtores a Costa do Marfim (estima-se que 70% da desflorestação ilegal na Costa do Marfim esteja relacionada com a cultura do cacau) e o Gana (aqui empregando cerca de 60% da mão de obra agrícola e contribuindo para a maior parte do rendimento destas famílias), Camarões, também o Brasil ou Indonésia.
Os efeitos ambientais da indústria do cacau manifestam-se ao longo de toda a cadeia de valor, desde a extração das matérias-primas e a produção de fatores de produção agrícola até à transformação industrial das amêndoas em cacau em pó ou manteiga de cacau.
Alguns dos efeitos nocivos diretamente identificáveis são a desflorestação (especialmente quando os produtores de cacau abatem florestas tropicais e plantam novas árvores em vez de reutilizarem a mesma terra), poluição da água ou a perda de biodiversidade resultante da aplicação de pesticidas artificiais. Outros menos visíveis são o empobrecimento da fertilidade e da qualidade dos solos onde são aplicadas práticas agrícolas não sustentáveis e as emissões de gases com efeito de estufa provenientes dos combustíveis fósseis utilizados para transportar os grãos para a fábrica de transformação.
Ora, com um potencial em termos de hidrogénio, em vários países africanos (Egito, Mauritância, Marrocos, Namíbia), temos que os maiores produtores de hidrogénio verde (consoante a fonte de produção existem seis tipos, sendo apenas o verde, realmente “limpo”) são a Alemanha, Japão, Austrália, Estados Unidos da América e China (dados de 2022), sendo justamente e por ordem de biliões de dólares, a China, Alemanha, Estados Unidos e depois a Noruega e Malásia os maiores exportadores.
Refocando no cacau, em 2020, a UE lançou a Iniciativa Cacau Sustentável visando melhorar a sustentabilidade da cadeia de abastecimento de cacau dos países da África Ocidental – os maiores produtores de cacau do mundo. Os objetivos da Iniciativa Cacau Sustentável passam por garantir uma renda digna para os produtores de cacau, avançar na eliminação do trabalho infantil e do tráfico nas cadeias de abastecimento de cacau e reforçar a proteção e restauração florestal nas regiões produtoras de cacau.
Entretanto, em 2024 e ainda antes do pacote EUDR em vigor, o preço do cacau tem-se mantido elevado, com os consumidores da UE (o maior importador de cacau do mundo, representando 60% das importações globais, de acordo com dados da Comissão Europeia) a sentirem o impacto da subida dos preços com a diminuição da oferta de cacau em grão (devido a pragas e efeitos das alterações climáticas) nos principais países produtores e com o aumento da procura.
Embora inexistam muitos dados, um estudo no Reino Unido em 2018 identificou além de um desperdício de chocolate de cerca de 18.000 toneladas anuais (correspondendo a cerca de 90.000 tCo2), o potencial de aquecimento global (GWP) do chocolate varia entre 2,9 e 4,2 kg de CO2 eq./kg, além de que são necessários 10.000 litros de água para produzir 1kg de chocolate ou ainda que a produção de cacau aumenta o GWP total em 3 a 4 vezes mais devido à alteração do uso do solo associada ao seu cultivo.
Uma política regulatória e fiscal coerente deve ser sólida nos fundamentos e consolidada no tempo não apenas para ter a virtude de ser percetível pelo cidadão médio, mas ainda para garantir que os objetivos a que se propõe são testáveis no terreno, conseguidos em maior ou menor escala (mesmo que objeto de adaptação) mas não se tornam letra morta ou não realizáveis porque desprovidos de credibilidade.
A indução de comportamentos numa ótica de utilizador ou pagador-poluidor e na defesa das comunidades tal como as conhecemos, no planeta que temos, em si, é um princípio de ação ou omissão que, no caso, é um fim em si mesmo. O objetivo de mecanismos de tributação associados a figuras tributárias (regulatórias) híbridas deveria esgotar-se uma vez atingido o objetivo que norteou a sua adoção. O premente agora é, quando mesmo?