Sentindo que as obrigações declarativas atualmente exigidas para eliminar ou reduzir a retenção na fonte devida sobre o pagamento de determinados tipos de rendimentos são sinónimo de entropias e constrangimentos à circulação de capitais no mercado interno, a Comissão Europeia decidiu meter os pés a caminho e desenhou uma Diretiva que introduz mecanismos que visam ultrapassar esses obstáculos.
O fenómeno da retenção na fonte produz um efeito de dupla tributação na esfera do investidor, porquanto, este será tributado na jurisdição em que é residente, com base no princípio da tributação do rendimento mundial, e na jurisdição da fonte do rendimento, onde é devido imposto pelo rendimento ali obtido. Esse impacto económico, tanto maior quanto maior for o imposto retido na fonte sobre o rendimento obtido, influencia de forma determinante e decisiva o modelo de negócio e a escolha do País/mercado onde investir.
Ainda que existam mecanismos europeus e transnacionais para eliminar ou reduzir o referido impacto económico, nomeadamente Diretivas Europeias e Acordos de Dupla Tributação (“ADTs”), estes frequentemente impõem a existência de participações qualificadas e/ou que o titular do rendimento seja o seu beneficiário efetivo – condição nem sempre fácil de demonstrar em operações na Bolsa de Valores, que são intermediadas por instituições financeiras que frequentemente procedem ao pagamento dos respetivos rendimentos em conta aberta cujos titulares imediatos não são identificáveis num primeiro nível de investimento. Em adição, impõe-se também um frequente e extenso rol de obrigações declarativas, distintas de país para país e que são, desse modo, fator claramente dissuasor ao estabelecimento de relações transfronteiriças.
No atual panorama de necessidade de retoma do crescimento da economia europeia para fazer face aos grandes desafios impostos pelo contexto internacional, a Comissão identificou (e bem) o problema e propôs uma solução prática e potencialmente eficaz, destinada aos investidores que aufiram rendimentos de dividendos de ações e juros de obrigações quando esses instrumentos financeiros sejam negociados em mercado regulamentado (“Bolsa de Valores”).
Em resumo, a harmonização agora proposta assenta em três pilares fundamentais: (i) criação de um certificado digital de residência fiscal comum; (ii) introdução de sistema de isenção ou redução de taxa na fonte e de reembolso acelerado de retenção na fonte, a serem implementados mediante escolha por cada Estado-Membro, e (iii) implementação de uma nova obrigação de comunicação de informação normalizada e de registo de intermediários financeiros a nível europeu.
Como se avançou, o “público-alvo” desta nova iniciativa – os operadores dos mercados de capitais europeus – têm já à sua disposição vários mecanismos para evitar o fenómeno de dupla tributação, os quais geralmente preveem a isenção de imposto na jurisdição da fonte do rendimento (a título de exemplo, veja-se o caso português no caso de juros no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos de Dívida aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005).
Em adição, a Diretiva introduz um “minimum level playing field” ao permitir que cada Estado-Membro possa introduzir o mecanismo de redução de taxa, reembolso de retenção na fonte ou uma solução híbrida entre os dois, o que naturalmente não garante a tão almejada harmonização fiscal e, a final, poderá ser um novo grão de areia numa engrenagem que, em si, poderia ver dias melhores.
Por outro lado, as atuais obrigações declarativas serão substituídas por um procedimento de registo obrigatório para intermediários financeiros, proposta que naturalmente não parece retirar totalmente a carga burocrática e administrativa, estando ainda por definir, do ponto de vista prático, o modo, o tempo e a complexidade de tal obrigação.
Adicionalmente, caso os Estados-Membros optem pelo sistema redução de taxa na fonte aquando da transposição da Diretiva, o qual prevê a aplicação imediata das taxas reduzidas de retenção na fonte previstas no ADT em vigor entre as jurisdições envolvidas, tal significará a possibilidade de aplicação das taxas previstas em ADT sem certezas quanto ao concreto preenchimento dos requisitos de substância para aplicação do mecanismo bilateral, nomeadamente os de índole anti-abuso que hajam sido introduzidos pela Convenção Multilateral da OCDE (“MLI”).
Por último, não deixa de causar estranheza que a União Europeia deixe sem solução à vista a excessiva carga burocrática nos formalismos aplicáveis aos operadores ditos “comuns” quanto a fluxos de rendimentos similares (juros de financiamentos “normais” e dividendos de participações sociais não negociadas em mercado regulamentado), bem como a outros que, pela sua natureza, são também motor do mercado único como o caso dos pagamentos de serviços e royalties. Aliás, curiosamente, os pagamentos de dividendos, juros e royalties mereceram já tratamento em sede substantiva por parte da U.E., através das Diretivas “Mães-Afiliadas” e “Juros & Royalties”, diplomas esses que preveem, mediante certas condições, a isenção de retenção na fonte nos rendimentos em apreço.
O texto da Diretiva seguirá para análise do Parlamento Europeu, prevendo-se que esteja em vigor nas legislações nacionais a partir de 1 de janeiro de 2030.