Recentemente, no leque jurisprudencial produzido pelo CAAD, foi disponibilizada uma decisão arbitral que nos fez lembrar um conhecido provérbio popular que materializa o princípio constitucional da igualdade: “pau que bate em Chico, bate em Francisco”.
O significado de tal expressão popular é bastante intuitivo, pois enuncia que as regras devem valer para todos, indiferente de sua posição ou situação. Esse ditado é utilizado para indicar a necessidade de tratamento justo e uniforme, quando diante de situações substancialmente idênticas, se assegure que o que é válido para uma pessoa (Chico) também deve ser válido para outra (Francisco).
Contudo, em matéria fiscal, por vezes, o ditado popular por vezes não é acolhido. No referido caso julgado pelo CAAD, formalmente, permitiu-se que Chico (uma pessoa coletiva) tivesse implicações fiscais distintas da que o Francisco (uma pessoa singular), apesar de ser, em essência, envolver a uma situação fática semelhante (aumento do capital social) e envolver a mesma grandeza económica sujeita à tributação (o rendimento).
De forma resumida, imaginemos a seguinte situação: uma sociedade necessita reforçar os capitais próprios. A legislação societária portuguesa prevê a possibilidade de serem realizados reforços de capitais próprios mediante, por exemplo, prestações suplementares ou por meio de aumento do capital social, neste último caso, ou pelos atuais acionistas/sócios ou por novos investidores.
Tratando-se do aumento do capital social, vislumbram-se duas modalidades (i) ou se realiza por incorporação de reservas (o que implica numa mera operação contabilística, na qual as reservas – ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos / retidos – se transferem para o capital social da sociedade, sem alteração na sua situação líquida) ou (ii) por novas entradas. Nesta segunda hipótese, o aumento de capital ocorre em dinheiro ou em bens (em espécie), sendo que a operação implica um processo diferente, com uma alteração da situação líquida da sociedade, devido à entrada de recursos adicionais. Sendo assim, o sócio adquire as novas quotas (ou ações) emitidas pela sociedade ou não há criação de novas quotas (ou ações), mas é aumentado o valor nominal das existentes. Em ambas estas situações o resultado da operação societária está orientado ao fortalecimento do capital social da entidade.
Caso o sócio fosse uma pessoa singular, o artigo 43.º, n.º 6, a) do Código do IRS prevê que “data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhe deram origem“. Aliás, sob o enfoque interpretativo do referido dispositivo normativo, o STA possui entendimento bem consolidado, nomeadamente através do Acórdão de 7 de março de 2018, proferido no Processo n.º 0149/17, no sentido de que o aumento de capital por novas entradas, sem aumento do número de quotas, mas com o aumento do valor nominal das quotas preexistentes, tem enquadramento na disposição prevista no artigo 43.° n.º 6, alínea a), do Código do IRS, havendo de entender-se que a data de aquisição é a data da aquisição das partes de capital que lhe deram origem.
Na hipótese de o sócio ser uma pessoa coletiva, o artigo 47.º-A, a) do Código do IRC dispõe que “a data de aquisição das partes de capital adquiridas ou atribuídas ao sujeito passivo por incorporação de reservas ou substituição, designadamente por alteração do respetivo valor nominal ou transformação da sociedade emitente, é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem”. Em suma, se o reforço for através do aumento do valor nominal da(s) quota(s) existente(s), à partida, para efeitos de IRC, considera-se que a data de aquisição das partes de capital cuja propriedade tenha sido adquirida por substituição é a data de aquisição das partes de capital que lhes deram origem. Por outro lado, se o aumento do capital social se operacionalizar pela emissão de nova(s) quota(s), não haverá qualquer substituição (efeito modificativo nos títulos anteriormente emitidos, nomeadamente no respetivo valor nominal), de modo que a data de aquisição das partes de capital não possui efeito retroativo, ou seja, a data da operação será aquela da sua efetiva formalização e registo.
Entretanto, a recente decisão arbitral, entendeu que o referido artigo 47.º-A, a) do Código do IRC não pode ser aplicada em sua literalidade, de modo que, assente numa interpretação teleológica, a luz do caso concreto, decidiu que num aumento de capital social, por meio de novas entradas, sem criação de novas quotas, mediante a majoração do valor nominal das quotas existentes, com intuito de reforçar as participações sociais já existentes, não necessariamente traduz o efeito substitutivo ao caso. Violou-se, com considerações teratológicas, a aplicação do artigo 47.º-A, a) do Código do IRC.
Em resumo, preenchido os pressupostos legais, o STA entende que uma pessoa singular poderá fazer-se valer do efeito substitutivo para fins de determinação da data de aquisição das partes sociais. Entretanto, uma pessoa coletiva, segundo o CAAD, já não pode fazer-se valer do referido efeito substitutivo.
Ora, os efeitos fiscais deveriam ser os mesmos. Apesar de existir dispositivos normativos distintos (inseridos em Códigos fiscais diferentes por, formalmente, tratar de tributos diferentes – IRS vs. IRC), a situação fática (aquisição de partes sociais em observância aos requisitos legalmente previstos) e a grandeza submetida à tributação (o rendimento dos sujeitos passivos, quer pessoas singulares ou pessoas coletivas) demonstram que a essência equivalente da operação, de modo que o tratamento conferido a Chico (pessoas singulares) deve ser o mesmo dado a Francisco (pessoas coletivas).
É certo que os contornos subjacentes ao tema demonstram que a discussão está longe de estar encerrada. É expetável que o tema seja levado às instâncias superiores (i.e. por exemplo, recurso para o STA para obter uma decisão que seja uniformizadora de jurisprudência), a fim de que seja possível obter tratamento semelhante em sede de IRS e IRC, de modo que Chico e Francisco tenham tratamento semelhante. Resta-nos aguardar por futuras decisões judiciais quanto ao tema.
Até que exista maior clareza quanto ao tema, é recomendável que operações societárias sejam cuidadosamente analisadas, pois a a determinação da data de aquisição das partes sociais (independentemente de as disposiçoes legais vigentes referirem “valores mobiliários” para IRS e “partes de capital” para IRC) é elementar para a identificação do período de detenção do investimento detido nas partes de capital e só assim é possível o contribuinte proceder (i) a adequada quantificação da mais-valia ou menos-valia (em razão da eventual aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição) e (ii) a determinação correta da sua efetiva tributação (quando diante de uma mais-valia fiscal) ou a sua dedução (na hipótese de uma menos-valia fiscal), em razão, por exemplo, de vir a realizar uma menos-valia em resultado de uma liquidação da sociedade em que se tenha investido.