A atribuição aos trabalhadores de montantes a título de participação nos lucros tem vindo a ser utilizada de forma cada vez mais recorrente pelas empresas, pelos benefícios que acarreta ao nível do aumento da motivação e da produtividade dos trabalhadores, melhoria da qualidade do emprego e acréscimo da satisfação profissional bem como a promoção de um maior alinhamento com os interesses dos acionistas, traduzindo-se em aumentos de competitividade para as empresas.
Por estas razões, as instituições europeias têm, desde há vários anos, pressionado os Estados-Membros e os parceiros sociais a promoverem a consagração de diversas formas de participação financeira dos trabalhadores nas empresas, seja esta participação sob a forma de participação nos lucros, seja através da participação no capital, quer ainda através de fórmulas mistas.
Em Portugal, existem já alguns incentivos à atribuição de participação nos lucros aos trabalhadores. Desde logo, o facto de estes montantes serem excluídos do conceito de retribuição, nos termos do Código do Trabalho, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho. Por outro lado, os gastos correspondentes a remunerações atribuídas a título de participação nos lucros são dedutíveis, para efeitos de IRC, nos termos e nas condições previstas no artigo 23º e 23.º-A do Código do IRC (ainda que, em determinados casos, estes montantes sejam sujeitos a tributação autónoma). Por último, em matéria de contribuições para Segurança Social, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo, apenas fazem parte da base de incidência “(…) r) Os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho; (…)”, no entanto, esta alínea carece de regulamentação, precedida de avaliação efetuada em reunião da Comissão Permanente de Concertação Social e até à data, não temos conhecimento que tal avaliação tenha já sido efetuada, pelo que esta norma não se encontra ainda em vigor.
Não obstante, em matéria de IRS, não existe atualmente qualquer tratamento favorável aplicável à participação nos lucros. Com efeito, de acordo com a redação do artigo 2º do Código do IRS, consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes, entre outros, de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado, compreendendo estas remunerações, para além de ordenados e salários, a atribuição de gratificações, participações, subsídios ou prémios, e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. Deste modo, a atribuição de montantes aos trabalhadores a título de participação nos lucros está sujeita a tributação em sede de IRS.
A este respeito, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 (adiante PLOE 2024), vem introduzir uma medida transitória de incentivo fiscal em matéria de IRS relativamente à participação nos lucros, prevendo que “(…) 1 – Ficam isentos de IRS até ao limite de 5 vezes a RMMG, os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, por via de gratificação de balanço, pagos por entidades cuja valorização nominal média das remunerações fixas por trabalhador em 2024 seja igual ou superior a 5 % (…)”.
Entende-se, assim, que, nos termos da PLOE 2024, passará a existir (apenas em 2024) uma isenção em sede de IRS até Euro 4.100 (considerando uma remuneração mensal mínima garantida (RMMG) de Euro 820 aplicável em 2024) aos montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa. Todavia, trata-se de uma isenção com progressividade, na medida em que, mesmo isentos, estes rendimentos serão considerados para a determinação da taxa de IRS aplicável aos restantes rendimentos do trabalhador.
Face à introdução desta medida na PLOE 2024, são várias as dúvidas que se colocam sobre o âmbito e forma da sua aplicação, nomeadamente: (i) Quais as participações nos lucros que podem beneficiar desta isenção? Os provenientes dos lucros do exercício ou igualmente os resultantes da distribuição de reservas? (ii) Qual o procedimento a adotar em termos de retenção na fonte, já que se trata de uma isenção com progressividade? (iii) Como determinar se valorização nominal média das remunerações fixas por trabalhador em 2024 é igual ou superior a 5%?
Relativamente ao primeiro ponto quanto às participações nos lucros que podem beneficiar desta isenção, dado que no caso dos rendimentos do trabalho dependente o facto tributável é o do pagamento ou colocação à disposição, entendemos que os montantes isentos são os que correspondem às participações nos lucros pagas ou colocadas à disposição em 2024 (referentes ao exercício de 2023).
Adicionalmente, no que respeita ao conceito de participação nos lucros, importa realçar que, de acordo com o direito societário, existem várias definições de lucro[1] (lucro final ou de liquidação; lucro de balanço, lucro periódico ou distribuível; ou lucro de exercício).
O lucro final ou de liquidação, é o lucro que se apura no termo da sociedade, quando esta se liquida, e que consiste no excedente do património social líquido sobre o montante do capital social. Por seu turno, o lucro de exercício consiste nos resultados positivos gerados por uma sociedade no âmbito da atividade desenvolvida naquele exercício. Já o lucro “de balanço” compreende a riqueza global gerada pela sociedade e que é distribuível pelos sócios por relativamente a ela não se verificar qualquer vínculo de indisponibilidade, como é o caso das reservas distribuíveis.
No caso concreto, tendo em conta as diferentes definições de lucro, suscita-se a questão de saber se o sentido da PLOE 2024 se refere aos lucros “de exercício” ou aos lucros “de balanço”, pois o lucro de liquidação apura-se quando a sociedade se liquida. Admitindo-se a adoção do conceito de participação nos lucros em sentido próprio[2], isto é, depois de apuradas e aprovadas as contas relativas ao exercício social, os trabalhadores são destinatários de uma parte do lucro que for distribuído, poderá argumentar-se que não há qualquer fundamento que permita limitar a liberdade dos sócios de deliberarem a distribuição de uma parte das reservas livres aos trabalhadores, pois que estas reservas não deixam de ser lucros da sociedade disponíveis para a distribuição entre os sócios, tal como os lucros do exercício distribuíveis. Contudo, salientamos que há divergência na doutrina relativamente ao facto de se dever considerar a participação nos lucros em sentido próprio ou impróprio.
Atendendo a que esta questão não é linear, seria recomendável que esta norma fosse clarificada no detalhe na especialidade, por forma a evitar dúvidas práticas na sua implementação.
Por outro lado, importante será também determinar o procedimento a adotar em matéria de retenção na fonte, já que a proposta estabelece que se trata de uma isenção com progressividade. Assim, à semelhança do que sucede com o regime do IRS Jovem, seria útil introduzir-se na especialidade uma regra similar à prevista no n.º 4 do artigo 99º-F do Código do IRS, estabelecendo-se que as entidades que procedam à retenção na fonte dos montantes pagos a título de participação nos lucros devem aplicar a taxa de retenção que resultar das tabelas de retenção na fonte para a totalidade dos rendimentos, incluindo os isentos, apenas à parte dos rendimentos que não esteja isenta.
Por último, no que se refere à valorização nominal média das remunerações fixas por trabalhador em 2024, surge desde logo a dúvida sobre o conceito de “remuneração fixa” a adotar para este efeito, já que o mesmo não está definido na disposição transitória prevista no artigo 143º da PLOE 2024.
Para assegurar-se a consistência entre os vários incentivos fiscais, julgamos que se poderá clarificar no debate na especialidade que deverá aplicar o conceito de remuneração fixa previsto no artigo 19.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na versão alterada pela PLOE 2024, nos termos da qual se considera “remuneração fixa”, “a remuneração auferida pelo trabalhador que não esteja dependente do desempenho individual, da equipa ou da empresa, bem como as remunerações acessórias enunciadas na alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, que se revelem de caráter fixo e nas condições aí enunciadas”.
Será igualmente relevante esclarecer como funciona a aplicação desta medida quando estamos a perante empresas que realizam o aumento salarial dos seus colaboradores num mês posterior ao da atribuição da participação nos lucros, dado que, neste caso poderá ainda não ser possível aferir, no momento da atribuição da participação nos lucros, se se verificou ou não uma valorização nominal média das remunerações fixas por trabalhador em 2024 igual ou superior a 5 %.
Face ao exposto, sendo várias as dúvidas que se colocam sobre a aplicação desta medida na prática, seria útil que as mesmas fossem esclarecidas em debate de especialidade, já que a introdução desta medida (ainda que se pudesse revisitar o facto de a mesma apenas ser aplicável a 2024) é favorável aos trabalhadores que aufiram participação nos lucros atribuídos por empresas elegíveis, pois a isenção em IRS vem agora somar-se à não sujeição atualmente em vigor em sede de Segurança Social e à dedutibilidade dos gastos em matéria de IRC.
[1] Para um estudo sobre os conceitos de lucro, no que respeita à sua distribuição, vd. Tarso Domingues, Paulo, em Código das Sociedades Comerciais Anotado,
[2] Sobre a participações nos lucros em sentido próprio e impróprio, vd Luís António Ramos Correia Araújo, A Participação dos Trabalhadores nos Lucros das Sociedades Comerciais, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 2011.