Recentemente, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, reiterou que as taxas de juro na zona euro permanecerão num nível elevado durante o tempo necessário para que a inflação atinja o objetivo de 2% a médio prazo, objetivo este que o BCE considera dar margem de segurança contra a deflação e flexibilidade suficiente para reduzir as taxas de juro em situações adversas.
Portanto, é consensual, para a maioria dos especialistas, que a inflação e taxas de juro altas irão manter-se numa perspetiva de médio termo, tendo em consideração o atual contexto geopolítico e macroeconómico. Muitos dos players equacionam como é que esta perspetiva de taxas de juro altas poderá afetar os seus modelos operacionais e, consequentemente, as suas políticas de preços de transferência.
Efetivamente, tendo por referência, as previsões macroeconómicas de inflação contínua, a predisposição dos bancos centrais para aumentar as taxas de juro e controlar as ajudas estatais como medida de combate à inflação, torna-se relevante avaliar os impactos que estas medidas têm ao nível da definição da política de preços de transferência dos Grupos Multinacionais. A seguir, são feitas algumas considerações que importam acautelar:
- Ajustamentos de working capital nas análises de preços de transferência, quando em causa está a avaliação das margens de lucro das empresas (i.e., quando a análise é feita através da aplicação do método da margem líquida da operação): se, em anos anteriores, onde tínhamos taxas de juro de referência baixas, ou até mesmo negativas, estes ajustamentos tinham pouco impacto nos resultados das análises de preços de transferência, atualmente importa acautelar e antecipar os resultados que estes ajustamentos poderão ter nessas mesmas análises;
- Avaliação de garantias concedidas pelas casa-mãe: em cenários e contextos de taxas de juro altas, a remuneração destas garantias não serão similares às praticadas no momento da concessão com de taxas de juro próximas do zero;
- Ganhos e perdas cambiais: as oscilações nas taxas de juros produzem efeitos paralelos nas taxas de câmbio. No contexto atual, importa (re)avaliar quem e como estas oscilações cambiais deverão ser alocadas ao longo da cadeia de valor;
- Investimento Direto Estrangeiro (IDE): A apreciação das diferentes moedas resultante de uma subida de taxas de juros poderá resultar num aumento do IDE, uma vez que os investidores estrangeiros poderão olhar para um determinado mercado como uma “poupança” até ao momento oportuno de alienação do seu investimento e a conversão do mesmo na sua moeda local. A este respeito importa referir que, de acordo com a recente edição lançada pela EY do “EY Attractiveness Survey Portugal” , que analisa as tendências recentes do IDE em Portugal, Portugal é, em 2023, o 6º país europeu a receber IDE, sendo os setores de software e IT services as áreas líder em projetos de IDE;
- Avaliação de intangíveis: umas das principais variáveis consideradas na avaliação de ativos intangíveis é a taxa de juro sem risco. Subidas significativas nas taxas de juro a longo prazo poderá, em muitas situações, conduzir a uma redução dos valores dos ativos e, bem assim, o valor de investimentos futuros.
A inflação e a subida das taxas de juro afetam efetivamente os negócios, os modelos operacionais e, por conseguinte, as políticas de transferência que sustentam esses mesmos modelos. Importa assim acautelar, analisar e reavaliar o transfer pricing dos Grupos por forma a que os efeitos adversos dos atuais desafios macoreconómicos e geopolíticos, e que se perspetivam ainda duradouros, sejam contemplados e, se possível, minimizados.