Temos vindo a assistir a alterações cada vez mais frequentes do enquadramento de matérias de preços de transferência (PT) ao nível da União Europeia (UE) e na perceção de como estas estão interligadas com outras realidades fiscais que afetam os resultados, os gastos de compliance e a eficiência fiscal das empresas.
Disso são exemplo as mais recentes propostas de diretivas no âmbito da conformidade fiscal e da simplificação de temas de PT, publicadas no passado dia 12 de setembro. Vem sendo assinalada, nomeadamente em relação a operações transfronteiriças, quer por empresas quer por autoridades fiscais de Estados Membros, a falta de segurança fiscal com elevados gastos de compliance, no que respeita quer ao suporte das políticas de PT quer a contencioso tributário, pela falta de uniformização das leis fiscais entre os vários Estados Membros. De facto, tem-se vindo a observar que as empresas consideram, cada vez mais, os preços de transferência como uma questão fiscal prioritária dada a sua ligação com a dupla tributação internacional.
No sentido de garantir aquela segurança, e através de mecanismos para o efeito, as empresas procuram obter decisões antecipadas sobre o enquadramento de determinadas operações transfronteiriças, junto das autoridades fiscais do seu país ou, também, junto das autoridades fiscais dos países intervenientes numa dada operação. Neste último caso, as empresas procuram a garantia da mitigação do risco de contencioso no que toca a dupla tributação internacional ou a uma tributação excessiva de rendimentos.
Os acordos prévios sobre preços de transferência (APPT) e os procedimentos amigáveis (mutual agreement procedure ou MAP) são dois desses principais instrumentos. O primeiro numa perspetiva de antecipação e o MAP numa perspetiva de agilizar o processo em contencioso no âmbito da eliminação da dupla tributação internacional.
Com recurso às estatísticas oficiais da UE sobre os APPT celebrados ao abrigo da Convenção de Arbitragem, observa-se que, entre 2018 e 2021, foram celebrados em Portugal 28 APPT, 19 dos quais relacionados com operações na UE, num total de cerca de 4.900 APPT celebrados pelos Estados Membros durante aquele intervalo. Adicionalmente, notamos que, e em Portugal, o número de APPT unilaterais excede significativamente o número de APPT bilaterais ou multilaterais. O website da OCDE, e para os países que integram o Inclusive Framework, deverá divulgar estatísticas similares sobre a realidade dos APPT a partir de 2024.
O MAP poderá ser acionado ao abrigo de uma convenção bilateral para evitar a dupla tributação internacional (CDT), quando existam inconsistências na interpretação e aplicação de uma convenção relativamente à tributação de determinados rendimentos, por exemplo, subjacentes a operações transfronteiriças de grupos multinacionais. Uma vez que os casos mais recorrentes no âmbito da dupla tributação de rendimentos estão previstos nas CDT e tratados automaticamente através de créditos fiscais, isenções ou determinação dos direitos de tributação dos Estados contratantes, a maioria dos MAP configuram situações em que a tributação de um determinado rendimento ou de uma entidade não é clara. As estatísticas oficiais da OCDE mostram que, no final de 2021, o número pendente de MAP em resolução referentes a casos de dupla tributação internacional decorrentes de temas de preços de transferência aumentou 33% em comparação com 2016. De acordo com as estatísticas oficiais da UE, em relação aos MAP ao abrigo da Convenção de Arbitragem, os litígios em matéria de preços de transferência, entre os Estados Membros, aumentaram cerca de 19% entre 2017 e 2021.
Esperamos fazer um balanço, daqui a um ou dois anos, da aplicabilidade e da eficácia das alterações inicialmente mencionadas, que se poderá observar, por exemplo, na evolução do número de MAP e especialmente de APPT e concluir sobre o impacto das alterações ao normativo português de preços de transferência, quer o que vigora desde final de 2021, quer das alterações que venham ainda a ter lugar.