A utilização da expressão “programa” para descrever pacotes de iniciativas legislativas nunca deverá ter sido tão utilizada como nos últimos anos. A ideia parece, de facto, conseguida, na perspetiva da difusão das medidas (ou não estivéssemos perante verdadeiros slogans), mas o cenário complica-se quando medidas fiscais que incidem sobre os mesmos regimes jurídicos resultam de programas distintos, em virtude da não contemporaneidade.
Exemplo disso são as medidas fiscais resultantes do “Programa Mais Habitação” (PMH) que visam incentivar o arrendamento acessível e que, como tal, devem ser analisadas considerando o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio. Este regime entrou em vigor no dia 1 de julho de 2019 e implementou o originalmente apelidado “Programa de Arrendamento Acessível”, o qual foi renomeado em 2022 para “Programa de Apoio ao Arrendamento” (PAA).
O PAA corresponde a um conjunto de medidas sociais destinadas a incentivar a oferta de alojamento para arrendamento habitacional, cujo foco assenta na previsão de rendas mensais a preços reduzidos, pelo menos 20% inferiores a um valor de referência calculado com base em vários fatores, como a área do alojamento, a mediana de preços divulgada pelo INE, a localização e outras características específicas do alojamento. O objetivo é que as rendas mensais não ultrapassem uma taxa de esforço de 35% do rendimento médio mensal dos agregados elegíveis.
Estando em causa um programa de apoio a famílias cujo nível de rendimento não lhes permite aceder a um arrendamento a preços de mercado, no diploma legislativo de 2019 não faltaram incentivos fiscais para estimular a adesão ao programa por parte dos senhorios, prevendo-se que os rendimentos prediais resultantes de contratos de arrendamento ou subarrendamento habitacional enquadrados no PAA ficariam isentos de IRS e IRC.
Contudo, quatro anos na política fiscal portuguesa é muito tempo e, na sequência do PMH recentemente apresentado, o Governo dá um sinal de que o pacote fiscal originalmente previsto no PAA foi insuficiente para estimular o arrendamento acessível na medida do pretendido.
Neste sentido, parte das medidas propostas no âmbito do PMH (aprovadas em conselho de ministros no passado dia 30 de março) passam pelo alargamento dos benefícios fiscais previstos no regime original do PAA, focando-se desta vez noutro tipo de tributos que não os impostos sobre o rendimento.
Apesar de a versão final da Proposta de Lei a submeter à Assembleia da República ainda não ter sido publicada à data em que o presente texto é escrito, considerando a comunicação disponível no site do Governo, no âmbito do PMH prevê-se o seguinte no que concerne a estímulos fiscais ao arrendamento acessível:
- A taxa de 6% de IVA deverá passar a abranger as empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis afetos a habitações para arrendamento acessível, desde que pelo menos 70% seja afeta a este fim.
- Uma isenção de IMT, de IMI e de AIMI relativamente a prédios urbanos ou frações autónomas adquiridos ou construídos para afetação ao PAA – espera-se que a isenção de IMI seja aplicável por um período de três anos a contar do ano, inclusive, da aquisição do imóvel, podendo ser renovada a requerimento do proprietário, por mais cinco anos.
- Uma isenção de Imposto do Selo em contratos de arrendamento habitacional de imóveis destinados ao PAA.
Sendo a expectativa de que da discussão parlamentar resultem apenas alterações de pormenor face à versão final da proposta do Governo, resta esperar para ver se os capítulos seguintes destes Programas têm um final feliz.