Existem por isso, por vezes, situações de conflito entre a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) e os contribuintes, seja no que se refere a impostos, taxas ou contribuições, em resultado, por exemplo, de “zonas mais cinzentas” na definição de (i) quem deve pagar, (ii) qual o montante sujeito à entrega ou mesmo (iii) quando deverá ser liquidado determinado tributo.
É precisamente neste contexto que se enquadra a recente decisão proferida pelo Tribunal Constitucional (“TC”) , no dia 16 de março de 2023, declarando inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a aplicação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) às empresas que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.
O TC considerou que, a partir de 2018, os termos em que se encontravam previstas as prestações públicas da CESE obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo de sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.
Tal resulta do facto de a CESE estar primordialmente afetada, por imposição legal, ao financiamento da dívida tarifária do setor elétrico. De facto, considera o TC que a mera circunstância de todos os operadores integrarem o “setor energético” não é manifestamente suficiente para se poder afirmar que existe uma responsabilidade do grupo do “subsetor do gás natural” pelos encargos respeitantes a um problema específico do “subsetor da energia elétrica”.
Segundo o TC, há violação do artigo 13.º da CRP, pois dar um tratamento equitativo às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades e, assim sendo, um subsetor não é igual ao outro para fins de financiamento do déficit tarifário relativamente ao qual não é responsável.
Nota-se que esta decisão é uma resposta favorável ao “subsetor do gás natural”. Afinal não podem as entidades integrantes desse grupo serem solidárias face a uma responsabilidade exclusiva de outro subsetor, in casu, o subsetor da energia elétrica.
É importante realçar que a decisão proferida abre espaço a outras entidades elegíveis virem a pedir a restituição da CESE paga a partir de 2018, questionando-se que possa ser devida doravante.
De facto, a argumentação técnica tecida no Acórdão do TC é pertinente para outros subsetores do setor energético (que não o subsetor elétrico), no sentido em que poderá servir de fundamento para eventuais contestações de entidades de outros subsetores que continuam a pagar a CESE.
Preparemo-nos para o que pode vir a ser mais um rol de processos em contencioso entre alguns contribuintes e a AT, nomeadamente com o devido reenvio para o TC, ou mesmo vir a resultar numa aclaração da letra da Lei no que respeita à norma de incidência da CESE, de modo a que esta seja cobrada a quem de direito, em observância aos motivos e objetivos da sua criação, respeitando-se fielmente a CRP e as normas de direito fiscal.