Até à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2022 (i.e. até ao dia 27 de junho de 2022, inclusive), o Código do Imposto do Selo isentava os financiamentos intragrupo de curto prazo, desde que realizados entre duas entidades residentes em Portugal ou, envolvendo entidades não residentes, desde que a entidade concedente do crédito fosse residente noutro Estado-Membro ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação acordada com Portugal. Portanto, até essa data, ficavam excluídos da isenção os financiamentos intragrupo concedidos por entidades residentes em Portugal a entidades não residentes.
Ora, esta norma, além de altamente discriminatória, revelava-se um verdadeiro entrave quer para os grupos nacionais, que pretendiam encetar operações no exterior, quer para grupos multinacionais, que possuem subsidiárias em Portugal, e em que a fonte de financiamento se localizava neste território. Além disso, diversos eram os grupos multinacionais que possuíam um sistema de gestão de tesouraria centralizada (vulgo “sistema de cashpooling”), em que optavam por não incluir as entidades residentes em Portugal, sob pena de serem penalizados pelo impacto negativo do imposto do selo nas suas operações de financiamento.
Nestas circunstâncias, muito foi o contencioso fiscal nesta matéria que opôs o contribuinte – crente no princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio basilar da União Europeia – e a Autoridade Tributária e Aduaneira – que assumiu uma posição restritiva, sem atender ao Tratado de Funcionamento da União Europeia. E inúmera foi a jurisprudência favorável ao contribuinte, que concluiu pela existência de uma situação discriminatória, pois a isenção constituía uma efetiva vantagem fiscal que só era atribuída a alguns contribuintes (operações em que o devedor tem sede em Portugal e o credor é não residente em Portugal), sem motivo objetivo para tal distinção.
Volvidos mais de 20 anos, e um longo histórico de litigância judicial, a Lei do Orçamento do Estado para 2022 (LOE 2022), veio alterar a redação do n.º 2 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, passando igualmente a aplicar a isenção de imposto aos financiamentos intragrupo de curto prazo (incluindo os concedidos no âmbito de um sistema de cash pooling) concedidos por entidades residentes em Portugal.
Por outras palavras, a partir do dia 28 de junho de 2022, são isentos de imposto do selo todos os financiamentos intragrupo de curto prazo, mediante o cumprimento de determinados requisitos (os quais já se encontravam previstos à data da alteração), com exceção das situações em que qualquer um dos intervenientes seja residente num país terceiro e/ou num Estado em relação ao qual não vigore uma convenção para evitar a dupla tributação acordada com Portugal.
Esta é realmente uma boa notícia quer para o tecido empresarial português, que há muito iniciou o seu processo de internacionalização, quer para os grupos multinacionais que equacionem investir ou reforçar o seu investimento em Portugal, pois esta alteração trará mais flexibilidade na circulação de capitais e maior competitividade fiscal.
Resta perceber o significado desta alteração no contencioso fiscal pendente de decisão. Será que a posição do contribuinte sairá reforçada? Uma coisa é certa, o contribuinte estará sempre melhor com esta alteração, pois pode-se entender que esta é a confirmação, por parte do legislador, de que estávamos perante uma situação de discriminação sem fundamento e, depois, é também a sua resposta perante a mesma, corrigindo-a em conformidade.
Posto isto, para os contribuintes mais conservadores ou com maior aversão à litigância, recomenda-se o acompanhamento da jurisprudência que vier a emanada pelos tribunais na vigência desta alteração, e na avaliação da possibilidade de avançarem com os meios de reação tendentes à recuperação do imposto liquidado em excesso nos anos anteriores.