Opinião

DEBRA – sinónimo de redução na dedução de juros

Há muito que se vem discutindo formas de reduzir o endividamento das empresas e de incentivar a capitalização das mesmas. Várias medidas fiscais foram sendo introduzidas ao longos dos tempos para induzir esse tipo de comportamentos junto dos respetivos acionistas / sócios. No âmbito da Anti-Tax Avoidance Directive (“ATAD I”) foi instituída uma regra para limitar a dedução de gastos de financiamento líquidos. Embora a ATAD I tenha sido transposta pela maioria dos estados-membros para ser aplicada desde 1 de janeiro de 2019, Portugal já tinha introduzido uma regra em tudo similar a partir de 1 de janeiro de 2014 em decorrência do processo de Reforma do IRC. No seguimento das sucessivas ATAD’s (sendo que a ATAD III sobre a substância ainda se encontra em discussão), bem como dos Pilar’s 1 & 2 do Projeto BEPS 2.0 da OCDE, surge agora mais uma proposta de Diretiva da Comissão Europeia, ou seja, a Debt-Equity Bias Reduction Allowance (“DEBRA”), a qual assenta em dois vetores: (i) uma dedução sobre capital próprio e (ii) uma limitação à dedução de gastos de financiamento. Segundo a proposta de Diretiva, a mesma deverá aplicar-se a entidades residentes na União Europeia ou estabelecimentos estáveis aí localizados de…

Há muito que se vem discutindo formas de reduzir o endividamento das empresas e de incentivar a capitalização das mesmas. Várias medidas fiscais foram sendo introduzidas ao longos dos tempos para induzir esse tipo de comportamentos junto dos respetivos acionistas / sócios. No âmbito da Anti-Tax Avoidance Directive (“ATAD I”) foi instituída uma regra para limitar a dedução de gastos de financiamento líquidos. Embora a ATAD I tenha sido transposta pela maioria dos estados-membros para ser aplicada desde 1 de janeiro de 2019, Portugal já tinha introduzido uma regra em tudo similar a partir de 1 de janeiro de 2014 em decorrência do processo de Reforma do IRC.

No seguimento das sucessivas ATAD’s (sendo que a ATAD III sobre a substância ainda se encontra em discussão), bem como dos Pilar’s 1 & 2 do Projeto BEPS 2.0 da OCDE, surge agora mais uma proposta de Diretiva da Comissão Europeia, ou seja, a Debt-Equity Bias Reduction Allowance (“DEBRA”), a qual assenta em dois vetores: (i) uma dedução sobre capital próprio e (ii) uma limitação à dedução de gastos de financiamento.

Segundo a proposta de Diretiva, a mesma deverá aplicar-se a entidades residentes na União Europeia ou estabelecimentos estáveis aí localizados de entidades residentes em terceiros estados, sendo excluídas as instituições financeiras, entidades seguradoras, organismos de investimento coletivo, veículos de securitização, etc..

Em termos de transposição pelos estados-membros, está previsto até 31 de dezembro de 2023 e aplicação a partir de 1 de janeiro de 2024. No entanto, para os estados-membros que já tenham regras de dedução sobre capital próprio, como é o caso de Portugal, poderão adiar a aplicação da proposta de Diretiva às empresas que a 1 de janeiro de 2024 se encontrem a aplicar o atual regime nacional até ao limite de um período de 10 anos ou termo do regime que vem sendo aplicável, o que terminar primeiro.

Dedução sobre capital próprio (“DCP”)

Esta dedução é calculada com base na diferença entre o capital próprio no final do exercício e o capital próprio no final do exercício anterior, mediante aplicação de uma taxa de juro sem risco adicionada de um spread de 1% (ou 1.5% no caso de pequenas e médias empresas). A dedução é aplicável durante um período de 10 anos. O capital próprio a considerar para efeitos da dedução resulta da diferença entre (i) o capital próprio e (ii) a soma do valor fiscal das participações detidas em empresas associadas e das ações / quotas próprias.

A dedução tem, contudo, como limite 30% do EBITDA, sendo possível reportar a dedução, sem limite temporal, no caso de insuficiência de lucro tributável ou, por um período de 5 anos, quando os juros nocionais sejam superiores ao referido limite.

Na eventualidade de se verificar uma redução dos capitais próprios, e caso a empresa tenha beneficiado da dedução sobre o capital próprio em exercícios anteriores, haverá que repor proporcionalmente durante 10 anos o benefício obtido anteriormente, salvo se o prejuízo incorrido no exercício decorrer da atividade da empresa ou de uma obrigação legal.

De modo a evitar situações de planeamento fiscal agressivo, pretende-se implementar algumas normas anti abuso, designadamente:

  • Exclusão de aumentos de capital próprio provenientes de empréstimos intra-grupo, transferências intra-grupo de participações ou negócios e contribuições em numerário de uma entidade residente num estado que não tenha troca de informações com o estado-membro da empresa que pretende utilizar a dedução, de modo a evitar uma multiplicidade de deduções a vários níveis quando apenas existe um verdadeiro aumento de capital próprio, salvo se a empresa conseguir justificar a existência de razões económicas válidas para a transação e que da mesma não resulta numa duplicação da dedução;
  • Exclusão de aumentos de capital próprio mediante entradas em espécie sobrevalorizadas, passando a considerar-se o valor contabilístico (partes sociais) ou o valor de mercado / valor certificado por auditor externo (demais casos), procurando corrigir o empolamento artificial dos capitais próprios;
  • Evitar a substituição de capital próprio existente no grupo por novo capital próprio passível de dedução, o que poderá ocorrer, por exemplo, em situações de liquidação de sociedades com incremento do capital próprio do sócio e constituição de outras sem impacto no capital próprio da entidade que beneficia da dedução.

Limitação à dedução de gastos de financiamento (“LDGF”)

Nesta vertente, em contrapartida da DCP, desde logo, não são dedutíveis 15% dos gastos de financiamento líquidos. Os restantes 85% ficam sujeitos às regras da ATAD I, isto é, no caso português, limitados a €1.000.000 ou 30% do EBITDA fiscal, com a possibilidade de reportar “excessos” e “folgas”.

O caso português

Em Portugal, existem atualmente regimes algo similares, embora distintos. Por um lado, temos o regime da remuneração convencional do capital social (“RCCS”) e, por outro lado, a limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento.

Contudo, existem várias e significativas diferenças face à DCP, bem como na interação com a LDGF. Efetivamente, desde logo, poderão ser identificadas as principais diferenças entre a proposta de Diretiva e o regime atualmente em vigor em Portugal:

  • Taxa de juro sobre capital social (7%) na RCCS é muito superior à expectável taxa de juro nocional da DCP;
  • A RCCS é aplicável durante 6 anos, enquanto a DCP poderá ser aplicável por 10 anos;
  • A RCCS não permite a redução de capital social durante a aplicação do benefício, mas a DCP acaba por limitar outro tipo de reduções de capital próprio, designadamente reembolso de prestações suplementares ou distribuição de dividendos;
  • A redução de capital próprio poderá implicar a “reposição” do benefício da DCP, o que não se verifica na RCCS (salvo em caso de redução do capital social);
  • A atual LDGF é integral, embora sujeita a limites (incluindo a redução dos 30% para 25% do EBITDA fiscal quando se aplica a RCCS), sendo que nos termos da proposta LDGF existem sempre 15% dos gastos de financiamento que não são passíveis de dedução.

Em conclusão, a DEBRA irá certamente impor uma limitação adicional à dedução de gastos de financiamento das empresas, sendo que a aplicação de uma dedução sobre capital próprio – face à sua mecânica e limitações – tenderá a não compensar, em muitos casos, a perda de dedução de gastos de financiamento. Acresce o facto de que a dedução sobre capital próprio carecerá de uma monitorização permanente e retira flexibilidade na repatriação e/ou distribuição para os sócios.