A agitação geopolítica, a par das alterações fiscais que, no normativo mundial se têm delineado, têm marcado o ano de 2024 e, preços de transferência, não é exceção. Parece-nos razoável revisitar as ações que tiveram o seu início nestes últimos dois anos e que irão impactar os próximos anos.
Podemos começar pela comunicação obrigatória do EU Public country-by-country reporting (Public CbCR) como fazendo parte do compliance fiscal (Decreto-Lei n.º 73/2023, 23.08). Esta declaração aplica-se aos exercícios com início em ou após 22 de junho de 2024. Para as empresas com um ano fiscal alinhado com o ano civil, a obrigação de comunicação aplicar-se-á pela primeira vez ao exercício de 2025, devendo o relatório ser publicado até ao final do ano civil de 2026. A publicação do Public CbCR é obrigatória para os grupos multinacionais com receitas consolidadas iguais ou superiores a 750 milhões de euros em cada um dos dois últimos exercícios, abrangendo os grupos com uma empresa-mãe sedeada na União Europeia ou que opere na União Europeia através de uma subsidiária ou sucursal e que esteja presente em mais do que uma jurisdição. O reporte abrange também entidades individuais que cumpram este critério.
Refira-se também o projeto atualmente em desenvolvimento designado por BEPS 2.0. Nos próximos anos as medidas determinadas por esta ação irão ter impacto na tributação global dos grupos multinacionais sob dois pilares: (i) o pilar 1, que terá como base as novas regras de nexo e de repartição dos lucros. O objetivo principal desta medida será o de atribuir uma maior percentagem de direitos de tributação sobre o rendimento empresarial global aos países que tenham um papel mais relevante na geração daquelas receitas pela atividade e dimensão do seu mercado. (ii) O pilar 2, em Portugal, já regulamentado pela Lei n.º 42/2024, 8.11, tem como objetivo a criação de um imposto mínimo global (a uma taxa de 15%), aplicável aos grupos de empresas multinacionais com um volume de negócios global igual ou superior a 750 milhões de euros.
Estes e outros temas têm sido divulgados na nossa plataforma “EY Transfer Pricing Roundup” consistindo num conjunto de podcasts com o objetivo de evidenciar atualizações relevantes, de forma breve, sobre as principais alterações legislativas e tendências controversas que ocorrem em todo o mundo. Como é evidenciado na plataforma, a par do planeamento e de uma documentação de preços de transferência apropriados, releva a monitorização, controlo e governação em sede de preços de transferência. As autoridades fiscais, as próprias empresas e os reguladores estão cada vez mais empenhados no cumprimento das regras nesta área.
Além dos desenvolvimentos internacionais que tiveram impacto no nosso normativo e a par da importância da preparação de uma documentação de preços de transferência devidamente alinhada com os requisitos locais, têm surgido alguns temas e entendimentos decorrentes do novo regime de preços de transferência que entrou em vigor no final de 2021 – Portarias n.º 267/2021 e n.º 268/2021, de 26.11. Por exemplo, e relativamente aos acordos prévios de preços de transferência, cumpre referir que estes têm assumido um papel cada vez mais relevante na definição da metodologia adotada para a demonstração do princípio de plena concorrência nas operações intragrupo. Estes acordos estão a ter um papel cada vez mais importante na mitigação do risco de ajustamentos à matéria coletável, que os contribuintes procuram evitar, decorrentes das condições das operações intragrupo principalmente quando se trate de operações transfronteiriças. Podemos também encontrar decisões do CAAD, publicadas em 2024, sobre considerações referentes a intervalos de plena concorrência, ajustamentos correlativos e financiamentos intragrupo.
É um facto inegável que os últimos desenvolvimentos nestas matérias têm preocupado os stakeholders e decisores das empresas. De acordo com o “2024 International Tax and Transfer Pricing Survey” publicado no início deste ano e disponível no website da EY, temas como o risco de dupla tributação – nomeadamente decorrente das orientações do pilar 2 -, as alterações fiscais e legislativas e a volatilidade do universo empresarial estão a impulsionar a mudança nos preços de transferência nas organizações.