No caso referente ao processo C-270/24 do TJUE, a requerente Granulines Invest Kft. é um sujeito passivo estabelecido na Hungria que atua no comércio de resíduos e que encomendou um triturador industrial a um fornecedor estabelecido na Alemanha, tendo efetuado um depósito para o efeito. Pouco tempo depois, a requerente apercebeu-se de um programa de incentivo local que concedia financiamento sem juros no investimento em maquinaria industrial.
Uma vez que este programa de incentivo não se aplicava a aquisições efetuadas a fornecedores estabelecidos fora da Hungria, a requerente decidiu cancelar a aquisição efetuada ao fornecedor alemão e identificou um revendedor estabelecido na Hungria para lhe vender o triturador, de forma a beneficiar do financiamento sem juros. A requerente deduziu por inteiro o IVA liquidado na fatura emitida pelo revendedor, referente à venda do equipamento.
As autoridades fiscais húngaras consideraram que a fatura emitida pelo revendedor era fraudulenta, pelo facto de o equipamento ter sido entregue à requerente numa data posterior àquela que consta na fatura como data de entrega e por ter um preço de revenda inflacionado. As autoridades também afirmaram que o equipamento foi adquirido diretamente ao fornecedor alemão sem qualquer intervenção do revendedor, pelo que a fatura emitida por este seria uma transação artificial para efeitos de IVA.
Em sede de reenvio prejudicial, o TJUE lembra que o direito à dedução do IVA aplica-se independentemente do propósito ou do resultado da atividade económica em questão. Adicionalmente, os contribuintes são – em termos gerais – livres para escolher as estruturas organizacionais e tipologia de transações que se mostrem mais apropriadas para as suas atividades económicas e para reduzir as suas cargas fiscais.
O princípio da proibição do abuso de direito (aplicável também para efeitos de IVA) apenas proíbe expedientes puramente artificiais que tenham como objetivo único a obtenção de uma vantagem fiscal, o que seria contrário aos objetivos da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA).
No caso em concreto, o TJUE entende que não foi demonstrado que a venda efetuada pelo revendedor à requerente tivesse como único objetivo (ou até mesmo como objetivo essencial) a obtenção de uma vantagem fiscal, tendo em conta que as próprias autoridades fiscais da Hungria reconheceram que esta venda visava o benefício de um programa de incentivo local ao investimento.
O TJUE acrescenta que o preço excessivo numa transmissão de bens, ainda que comprovado, não pode justificar por si só a negação do direito à dedução do IVA do sujeito passivo.
Por outro lado, o não pagamento ao Estado do IVA liquidado pelo revendedor na venda do equipamento não constitui, de forma isolada (independentemente do cariz negligente ou doloso desse incumprimento), uma fraude para efeitos de IVA que deva resultar na rejeição do IVA deduzido pelo adquirente.
De forma a justificar tal rejeição, as autoridades fiscais têm de provar que o adquirente participou de forma ativa na prática fraudulenta ou que tinha (ou devesse ter) conhecimento que o fornecedor cometeu essa fraude.
Por fim, o TJUE afirma que uma fatura onde conste uma data de entrega incorreta – ainda que esta menção seja intencional – também não é prova suficiente para a existência de fraude para efeitos de IVA.
Sem negligenciar a factualidade especifica deste caso, que se mostra determinante para a decisão tomada pelo TJUE, este processo deixa diretrizes importantes às autoridades fiscais de todos os Estados Membros no que respeita à tomada de decisões para efeitos de IVA, nomeadamente:
- Os princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade devem guiar sempre as autoridades fiscais. Caso não haja prova inequívoca de prática fraudulenta, as meras irregularidades de uma fatura não são suficientes para justificar, por si só, a recusa do direito à dedução do IVA.
- As autoridades fiscais devem obter prova suficiente antes de negarem os direitos dos sujeitos passivos.
- O direito à dedução é essencial ao funcionamento do IVA. As autoridades fiscais devem dar primazia à análise das condições substantivas, ao invés do cumprimento integral de requisitos formais e da mera existência de indícios de prática abusiva.