Opinião

RFAI: Motor de crescimento económico ou fonte de contencioso tributário?

O RFAI funciona como incentivo ao investimento — mas as posições da AT estão a transformá-lo (também) num terreno fértil para litígios.

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), previsto no Código Fiscal do Investimento, é um incentivo destinado a apoiar projetos em setores estratégicos e a promover o desenvolvimento regional, estimulando inovação, crescimento e competitividade.

  • Dedução em IRC: 30% do investimento até €15M e 10% do investimento acima desse valor;
  • Benefícios adicionais: isenção ou redução de IMI (até 10 anos), isenção de IMT e isenção de IS na aquisição de prédios considerados investimento relevante.

São consideradas aplicações relevantes: (i) investimentos em ativos fixos tangíveis novos, afetos à exploração da empresa (com algumas exceções); (ii) investimentos em ativos intangíveis ligados à transferência de tecnologia; e (iii) custos salariais de pessoal qualificado resultantes da criação de postos de trabalho (introduzidos pela Lei n.º 82/2023, com efeitos a 1 de janeiro de 2024).

Para efeitos de elegibilidade, estas aplicações devem enquadrar-se numa das seguintes tipologias: (i) criação de novo estabelecimento; (ii) aumento de capacidade produtiva; (iii) diversificação de produção para bens não fabricados anteriormente; ou (iv) alteração fundamental do processo produtivo de um estabelecimento existente.

O reporte e a dedução dos benefícios do RFAI são automáticos e da responsabilidade das empresas, não exigindo validação prévia de qualquer entidade. Contudo, o seu aproveitamento depende do cumprimento cumulativo de diversos requisitos pelos sujeitos passivos de IRC, nomeadamente (i) o investimento relevante proporcionar a criação de postos de trabalho e (ii) o investimento relevante e os postos de trabalho criados em resultado desse investimento serem mantidos por um período mínimo de, regra geral, 5 anos (ou 3 anos, no caso de PMEs).

Num estudo recente, a Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras (U-Tax) analisou o impacto do RFAI entre 2014 e 2023, concluindo que, apesar das diferenças consoante a dimensão das empresas, o regime impulsiona de forma significativa o investimento, o emprego e a despesa média por trabalhador. Segundo a U-Tax, para cada €1 que o Estado abdica em receita fiscal com o RFAI, as empresas realizam, em média, €1,89 em investimentos adicionais. Estes resultados confirmam a relevância do RFAI para o desenvolvimento e crescimento do tecido empresarial português.

Não obstante, o estudo também evidenciou que os benefícios do regime se encontram fortemente concentrados em grandes empresas localizadas sobretudo nas regiões costeiras e do Norte do país, revelando uma distribuição ainda limitada no interior. Este desequilíbrio levanta, na opinião da U-Tax, questões quanto à eficácia e equidade da política pública, pelo que a mesma recomendou, entre outras medidas, a redução do atual limite máximo de dedução (15 milhões de euros), com vista a atenuar assimetrias e a reforçar o impacto positivo do regime junto das PME.

Para além desta concentração geográfica e setorial, o RFAI enfrenta, a nosso ver, um outro desafio de relevo, não expressamente destacado pela U-Tax: a elevada litigância que a sua aplicação prática tem vindo a suscitar.

A nossa experiência prática mostra que, de facto, a aplicação do RFAI envolve riscos e incerteza. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem adotado uma interpretação restritiva (e, por vezes, inusitada) do regime, recorrendo frequentemente a atos de inspeção para questionar a elegibilidade dos investimentos ou o cumprimento dos requisitos de acesso ao RFAI, colocando muitas vezes em causa os benefícios fiscais apurados pelas empresas.

A este respeito, a análise da mais recente doutrina administrativa e da jurisprudência revela que grande parte das disputas entre a AT e as empresas se centra no requisito de criação de postos de trabalho.

De facto, a redação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI não é clara quanto à forma de aferir o cumprimento do requisito de criação de postos de trabalho. Foi nesse contexto que a AT publicou o Ofício Circulado n.º 20259, de 28 de junho de 2023, no qual veio defender — curiosamente, em sentido distinto ao que já havia adotado no passado — que tal requisito apenas se considera cumprido quando se verifiquem, em simultâneo: (i) a criação líquida de postos de trabalho sem termo, no estabelecimento, face à média dos doze meses anteriores ao início do investimento; e (ii) a criação de postos de trabalho sem termo diretamente relacionados com o projeto de investimento subjacente ao RFAI.

Para sustentar esta posição, a AT apoiou-se na definição de “aumento líquido do número de trabalhadores” constante da legislação europeia, em particular do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) e das Orientações relativas aos Auxílios Estatais com Finalidade Regional (OAR). Ora, ainda que o Direito da União Europeia prevaleça sobre o Direito nacional nesta matéria, a referida definição apenas é aplicável quando as aplicações relevantes são calculadas por referência aos custos salariais — algo que apenas se pôde passar a verificar, para efeitos de RFAI, a partir de 1 de janeiro de 2024. Assim, conclui-se que a obrigação de comprovar a criação líquida de postos de trabalho apenas poderá, em princípio, existir relativamente a períodos de tributação de 2024 e seguintes, e apenas nos casos em que os custos elegíveis sejam apurados por referência a custos salariais.

Na medida em que a interpretação que a AT faz da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI extravasa a ratio legis da norma, tem-se verificado um elevado volume de litigância em torno da forma de aferir o requisito de criação de postos de trabalho. Neste domínio, importa salientar que os tribunais administrativos, de forma consistente, não têm acompanhado a posição da AT. Pelo contrário, têm rejeitado a sua leitura restritiva, entendendo que, para efeitos de acesso ao RFAI, basta que o investimento elegível proporcione a criação de um ou mais postos de trabalho, mantidos durante o período mínimo legalmente exigido (cinco anos, ou três anos no caso das PME).

Outro ponto que tem igualmente gerado litígios prende-se com a tipologia dos contratos de trabalho dos colaboradores que ocupam os postos de trabalho associados ao projeto de investimento subjacente ao RFAI. A alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI nada refere sobre esta matéria, mas a AT tem sustentado que tais postos devem ser ocupados exclusivamente por trabalhadores com contrato sem termo. Uma vez mais, os tribunais administrativos têm rejeitado esta leitura, defendendo que a natureza do vínculo laboral não é, por si só, relevante para efeitos de RFAI.

A tendência é, portanto, clara: quando contestadas, as posições da AT têm sido, em grande medida, revertidas em tribunal. Não obstante, a via contenciosa acarreta custos significativos, quer para as empresas, quer para o Estado — desde honorários de consultores e advogados a recursos internos, passando, conforme o desfecho do processo, pelo pagamento de juros compensatórios ou indemnizatórios. Para as PME, que constituem a maioria do tecido empresarial português, este peso financeiro é particularmente gravoso, obrigando muitas vezes a optar entre contestar a decisão da AT para salvaguardar os benefícios fiscais ou canalizar recursos para investimento e crescimento. Em diversas situações, a solução acaba por ser simplesmente deixar cair as suas causas e assumir o prejuízo, por não compensar o esforço e o custo do contencioso.

Em suma, apesar de o potencial do RFAI enquanto instrumento de dinamização do investimento ser inegável, a interpretação restritiva da AT tem vindo a gerar um ambiente de incerteza que, em muitos casos, desincentiva a sua utilização. Se o objetivo passa por promover o investimento, o crescimento e a competitividade, torna-se essencial assegurar maior previsibilidade e estabilidade na aplicação do regime — sob pena de o RFAI se transformar, não num motor de crescimento económico, mas antes numa fonte permanente de litigância.

Ainda assim, parece que toda a controvérsia associada ao RFAI está longe de terminar. Com a entrada em vigor da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, nos termos da qual os custos salariais passaram a ser considerados aplicações relevantes, para efeitos de RFAI, algumas foram as questões que surgiram, em resultado de uma redação legislativa, uma vez mais, parca. A título meramente exemplificativo: a legislação portuguesa considera como aplicações relevantes, no que respeita ao apuramento do RFAI, os custos salariais “decorrentes” da criação de postos de trabalho de pessoal qualificado ou “incorridos” com a mesma. Por seu turno, a legislação europeia menciona “custos salariais estimados dos empregos criados em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de dois anos”. Na prática, como se apuram, então, os custos salariais que concorrem para o RFAI?

Sem uma posição formal e atempada da AT sobre este tema, as empresas foram forçadas a apurar o benefício fiscal do RFAI, relativo ao exercício de 2024, com base na sua melhor interpretação – correndo o risco de, em sede de inspeção, verem esse entendimento posto em causa. Estaremos perante um novo foco de litigância?