Opinião

Organismos de Investimento Coletivo residentes e não residentes – dois pesos e duas medidas?

A tributação de dividendos pagos a fundos de investimento e a outros organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes não é um tema novo, mas sofreu um importante desenvolvimento com a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso AllianzGI-Fonds AEVN (C-545/19), no contexto de um reenvio prejudicial por parte do Tribunal Arbitral Tributário (CAAD). Estava em causa concluir sobre se Portugal violou o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que prevê a livre circulação de capitais, pelo facto de sujeitar a retenção na fonte em Portugal dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), isentando simultaneamente de tributação os dividendos distribuídos a OIC constituídos em Portugal. O Tribunal deu razão ao contribuinte, concluindo que o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro que sujeita a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, isentando dessa retenção os dividendos distribuídos a um OIC residente. Esta conclusão está em linha com a posição que o Tribunal Arbitral (CAAD) tem tido em diversas decisões, fechando um…

A tributação de dividendos pagos a fundos de investimento e a outros organismos de investimento coletivo (OIC) não residentes não é um tema novo, mas sofreu um importante desenvolvimento com a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso AllianzGI-Fonds AEVN (C-545/19), no contexto de um reenvio prejudicial por parte do Tribunal Arbitral Tributário (CAAD).

Estava em causa concluir sobre se Portugal violou o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que prevê a livre circulação de capitais, pelo facto de sujeitar a retenção na fonte em Portugal dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), isentando simultaneamente de tributação os dividendos distribuídos a OIC constituídos em Portugal.

O Tribunal deu razão ao contribuinte, concluindo que o artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro que sujeita a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, isentando dessa retenção os dividendos distribuídos a um OIC residente.

Esta conclusão está em linha com a posição que o Tribunal Arbitral (CAAD) tem tido em diversas decisões, fechando um capítulo ao pacificar esta questão.

Podemos questionar a causa que levou este tema a ser alvo de várias contendas administrativas e judiciais.

A chave para entendermos a causa reside no artigo 65.º do TFUE, que consubstancia uma derrogação (de interpretação estrita) do princípio fundamental da livre circulação de capitais, ao permitir o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, desde que não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral.

No que respeita à primeira justificação, conclui o Tribunal que o critério de distinção considerado na legislação nacional, que tem por objeto o local de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes, pelo que a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Relativamente à segunda possível justificação, defende o Governo Português a existência de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa.

Conclui o Tribunal que a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode ser invocada porque, para tal, seria necessário que estivesse demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal, e que, neste caso, não existe uma relação direta entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos nacionais auferidos por um OIC residente e a tributação dos dividendos enquanto rendimentos dos respetivos detentores.

Por outro lado, a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território. 

No entanto, o Tribunal conclui que quando um Estado‑Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes.

Aqui chegados, podemos fazer algumas reflexões genéricas relacionadas, mas que não se resumem a este tema.

É amplamente sabido (e por diversas vezes lembrado pela Autoridade Tributária) que a concessão de isenções ou benefícios fiscais constituem derrogações às regras gerais de tributação e que nessa medida devem ser interpretadas em sentido estrito.

O mesmo sucede com a norma do TFUE que prevê a livre circulação de capitais, pelo que veio agora o contribuinte e o TJUE lembrar a Autoridade Tributária que uma derrogação à regra geral deve ser interpretada em sentido estrito.

Deste modo, caberá agora ao legislador nacional adaptar os normativos internos em face da decisão do TJUE, com vista a tornar a nossa legislação atrativa também para investidores não residentes e encerrar este assunto em definitivo.

Até lá, serão esperados mais processos promovidos por OIC não residentes que sofreram (e que continuem a sofrer) retenções na fonte sobre dividendos de fonte portuguesa.

Considerando que a decisão do TJUE se baseia na liberdade de circulação de capitais, princípio que expressamente abrange países terceiros, haverá também OIC de países terceiros a reclamar retenções na fonte sofridas.

Poderá este tipo de situações merecer discussões de âmbito alargado promovidas pela Autoridade Tributária com contribuintes, reguladores e outros agentes com vista a alcançar harmonia de entendimentos e assim contribuir para a diminuição de gastos públicos e privados em processos de contencioso tributário? Fica a sugestão.