Opinião

ATAD… Não há duas sem três!

A ATAD 1 continha 5 normas anti abuso que os estados membros (“EM”) tiveram de adotar com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019. Assim, a ATAD 1 veio introduzir regras mínimas sobre: Limitação à dedução de gastos de financiamento, como forma de desencorajar a utilização artificial de dívida com o propósito de reduzir impostos; Tributação à saída (“Exit tax”), de modo a evitar que as empresas que se deslocalizem (ou desafetem ativos) consigam evitar tributação; Regra geral anti abuso, com o objetivo de combater o planeamento fiscal agressivo quando as outras regras não sejam aplicáveis; Regra das sociedades estrangeiras controladas (as denominadas regras de Controlled Foreign Company “CFC”), que visam mitigar a deslocalização de lucros para países de baixa tributação; Assimetrias híbridas, quando se verifiquem situações de dupla dedução ou de dedução sem inclusão. No caso de Portugal, ao contrário de vários outros EMs, a legislação fiscal nacional já continha grande parte das normas acima mencionadas, pelo que somente se procedeu a uma harmonização de algumas das normas já existentes com a ATAD 1. Não foi, no entanto, transposta a regra das assimetrias híbridas, tendo-se aguardado pela ATAD 2. Logo depois, veio a ATAD 2 especificamente endereçando…

A ATAD 1 continha 5 normas anti abuso que os estados membros (“EM”) tiveram de adotar com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019. Assim, a ATAD 1 veio introduzir regras mínimas sobre:

  • Limitação à dedução de gastos de financiamento, como forma de desencorajar a utilização artificial de dívida com o propósito de reduzir impostos;
  • Tributação à saída (“Exit tax”), de modo a evitar que as empresas que se deslocalizem (ou desafetem ativos) consigam evitar tributação;
  • Regra geral anti abuso, com o objetivo de combater o planeamento fiscal agressivo quando as outras regras não sejam aplicáveis;
  • Regra das sociedades estrangeiras controladas (as denominadas regras de Controlled Foreign Company “CFC”), que visam mitigar a deslocalização de lucros para países de baixa tributação;
  • Assimetrias híbridas, quando se verifiquem situações de dupla dedução ou de dedução sem inclusão.

No caso de Portugal, ao contrário de vários outros EMs, a legislação fiscal nacional já continha grande parte das normas acima mencionadas, pelo que somente se procedeu a uma harmonização de algumas das normas já existentes com a ATAD 1. Não foi, no entanto, transposta a regra das assimetrias híbridas, tendo-se aguardado pela ATAD 2.

Logo depois, veio a ATAD 2 especificamente endereçando as assimetrias híbridas com países terceiros, funcionado como um complemento às regras anteriormente introduzidas pela ATAD 1, mas com uma muito maior abrangência e detalhe de normas. Na verdade, a ATAD 2 veio alterar a própria ATAD 1. A ATAD 2 teve efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020, embora algumas normas – assimetrias híbridas inversas – apenas sejam aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2022.

Mas, como se costuma dizer na gíria popular, não há duas sem três! E aí está a proposta da ATAD 3, cuja versão ainda para discussão e aprovação dos EMs foi emanada pela Comissão Europeia (“CE”) em dezembro de 2021.

A proposta da ATAD 3 visa estabelecer regras com o objetivo de evitar o uso inapropriado de entidades sem substância e pretende, ainda, alterar a Diretiva 2011/16/UE do conselho de 15 de fevereiro de 2011 relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade. Segundo a proposta da CE, a ATAD 3 deverá entrar em vigor, em princípio, a partir de 1 de janeiro de 2024.

A questão da substância tem vindo a ganhar um crescente protagonismo no panorama da fiscalidade internacional, uma vez que muitas estruturas / entidades têm vindo a ser objeto de escrutínio por várias autoridades fiscais, e não só, tendo resultado em muita litigância em tribunal. Aliás, a questão da substância tem sido um dos princípios basilares de várias normas específicas anti abuso, designadamente no que respeita a dividendos, juros e royalties, mas também para efeitos de exclusão da aplicação das regas de CFC a entidades localizadas na UE.

A proposta da ATAD 3 visa, portanto, estabelecer um conjunto de parâmetros que permitam, no seio da UE, identificar entidades sem substância e determina consequências para essas entidades.

As regras da proposta da ATAD 3 aplicam-se a entidades (“entidades abrangidas”):

  • Quando mais de 75% dos rendimentos obtidos nos últimos 2 anos derivem de rendimentos relevantes (ou quando os ativos que representam mais de 75% sejam bens imóveis, certos bens móveis ou participações sociais);
  • Que desenvolvam uma atividade transfronteiriça (i.e., mais de 60% dos ativos sejam bens imóveis ou certos bens móveis localizados fora do EM onde a entidade abrangida se encontra localizada nos últimos 2 anos, ou pelo menos 60% do rendimento relevante é obtido ou pago via transações transfronteiriças);
  • Que, nos últimos 2 anos, fizeram outsourcing relativamente à administração das suas operações e à decisão de funções relevantes.

Para o efeito, consideram-se rendimentos relevantes: (i) juros ou outros rendimentos derivados de ativos financeiros, (ii) royalties ou qualquer rendimento gerado da propriedade intelectual, propriedade intangível ou licenças transacionáveis, (iii) dividendos e mais-valias, (iv) rendimento de leasing financeiro, (v) rendimento de bens imóveis, (vi) rendimento de bens móveis, excluindo disponibilidades, participações sociais ou valores mobiliários, detidos para fins privados e com valor contabilístico acima de Euro 1 milhão, (vii) rendimento de atividades seguradora ou bancária ou de outras atividades financeiras, (viii) rendimento de serviços que a entidade subcontratou a outras entidades associadas.

A proposta da ATAD 3 contempla, no entanto, um conjunto alargado de exclusões, pelo que, não serão abrangidas pela obrigação de comunicação referida infra as seguintes entidades:

  • Sociedades com valores mobiliários admitidos à negociação ou cotadas num mercado regulamentado;
  • Entidades financeiras reguladas;
  • Entidades que desenvolvam a atividade de holding em sociedades operacionais localizadas no mesmo EM quando os beneficiários efetivos são também residentes para efeitos fiscais no mesmo EM;
  • Entidades com atividade de holding que são residentes para efeitos fiscais no mesmo EM dos seus sócios;
  • Entidades com pelo menos 5 colaboradores a tempo inteiro (ou equivalente) exclusivamente dedicados às atividades geradoras do rendimento relevante.

Em termos de indicadores de substância, que as entidades abrangidas deverão anualmente declarar às respetivas autoridades fiscais se cumprem ou não, bem como providenciar evidência documental, encontram-se elencados na proposta da ATDA 3 os seguintes:

  • Instalações próprias ou para uso exclusivo, no EM em causa;
  • Existência de pelo menos uma conta bancária na UE;
  • Um dos seguintes indicadores:
    • Um ou mais dos diretores (i) são residentes no EM da entidade abrangida, ou a uma distância desse EM que seja compatível com o desempenho adequado das respetivas funções, (ii) são qualificado e encontram-se autorizados para tomar decisões em relação às atividades geradoras de rendimento relevante ou em relação aos ativos da entidade abrangida, (iii) usam ativamente e com independência a referida autorização numa base regular, (iv) não são colaboradores de uma entidade não associada e não desenvolvem funções de direção ou equivalente numa entidade não associada;
    • A maioria dos colaboradores a tempo inteiro (ou equivalente) são residentes para efeitos fiscais no EM da entidade abrangida, ou a uma distância desse EM que seja compatível com o desempenho adequado das respetivas funções, e esses colaboradores sejam qualificados para desenvolver as atividades que geram o rendimento relevante.

Se a entidade abrangida declarar cumprir com todos os indicadores de substância, e fornecer documentação suficiente, presume-se que a mesma tem um nível mínimo de substância no ano fiscal em causa, caso contrário, presume-se que não tem a substância mínima (o que poderá ser ilidido mediante apresentação de informação adicional).

Os EMs deverão permitir, mediante apresentação de evidências suficientes e objetivas, que uma entidade abrangida fique dispensada – pelo período de 1 ano, mas que pode ser prorrogado por 5 anos – de apresentar a comunicação acima mencionada, desde que a existência da entidade abrangida não reduza a tributação para os respetivos beneficiários efetivos ou do grupo, como um todo, ao qual a entidade pertence.

Em termos de consequências pelo não cumprimento dos indicadores mínimos de substância, não se verificando a elisão da presunção sobre a falta da mesma, há a considerar o seguinte:

  • No EM da entidade abrangida – Deve negar-se o pedido de um certificado de residência fiscal para ser utilizado fora desse EM, podendo emitir-se um certificado de residência que evidencie que a entidade abrangida não é elegível para os benefícios de acordos e convenções para eliminar a dupla tributação, bem como de acordos internacionais com efeitos e propósitos similares aos da Diretiva Mães-Filhas e da Diretiva de Juros e Royalties.
  • Nos restantes EMs – Devem desconsiderar quaisquer acordos ou convenções que permitam a eliminação da dupla tributação com o EM da entidade abrangida, bem como as isenções nos termos da Diretiva Mães-Filhas e da Diretiva de Juros e Royalties. Por outro lado, a entidade abrangida deve ser desconsiderada, tanto no EM do respetivo sócio como no EM do devedor do rendimento, ficcionando-se que o rendimento relevante da entidade abrangida é obtido – ou os bens imobiliários são detidos – diretamente pelo sócio (incluindo para efeitos de retenção na fonte no EM do devedor do rendimento), permitindo-se a dedução de imposto pago no EM da entidade abrangida (desde que o sócio seja residente no mesmo EM do devedor do rendimento), bem como a aplicação de qualquer acordo ou convenção para eliminar a dupla tributação em vigor entre o EM / país do sócio da entidade abrangida e o EM / país do devedor do rendimento.

As autoridades fiscais do EM da entidade abrangida deverão informar os restantes EMs sobre as comunicações recebidas das entidades abrangidas, incluindo sobre a dispensa da apresentação dessa comunicação ou a elisão sobre a falta de substância.

Finalmente, a proposta da ATAD 3 prevê a imposição de coimas pela falta de comunicação por parte das entidades abrangidas, incluindo uma coima de pelo menos 5% do volume de negócios da entidade abrangida em caso de falta de comunicação ou prestação de falsas informações, permitindo ainda que as autoridades fiscais de um EM possam solicitar uma auditoria à entidade abrangida de outro EM quando entendam que essa entidade não cumpriu com as respetivas obrigações.

A proposta da ATAD 3 vem, indubitavelmente, implicar a necessidade de rever as estruturas existentes e de adotar medidas corretivas para evitar a falta / ausência de substância, bem como harmonizar os indicadores mínimos de substância, o que poderá consagrar alguma certeza jurídica às estruturas societárias que cumpram (ou venham a cumprir) tais requisitos. Por outro lado, a proposta da ATAD 3 introduz uma comunicação anual adicional, e de extrema relevância para muitas entidades residentes em EMs da UE.

Uma vez que se trata de uma proposta, é natural que o texto ora proposto venha a sofrer alterações até ser aprovado, podendo tal nem sequer vir a acontecer.

Embora a questão da substância seja de extrema importância, há sempre que ter em consideração a questão do beneficiário efetivo, uma vez que este último conceito determina, regra geral, o acesso a isenções ou reduções de tributação (incluindo retenção na fonte). Se é quase certo que uma entidade sem substância não é, em regra, o beneficiário efetivo dos rendimentos que formalmente obtém, o facto de a entidade ter a devida substância não garante, por si só, que a mesma seja o beneficiário efetivo dos rendimentos. Não obstante, o facto de entidades consideradas como não tendo um nível mínimo de substância serem privadas de beneficiar de convenções para evitar a dupla tributação, diretivas e outros instrumentos de direito internacional similares, poderá potencialmente incrementar a receita fiscal de países como Portugal.