A Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE 2021) criou o regime extraordinário e transitório de incentivo à manutenção dos postos de trabalho, o qual faz depender o acesso a determinados apoios públicos e incentivos fiscais por parte de empresas de grande dimensão (não PME) com resultado líquido positivo no período de tributação de 2020, da observância da manutenção do nível de emprego a aferir trimestralmente e de forma oficiosa, com base na informação prestada pelo Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.) à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ou ao organismo competente para a atribuição do apoio público, e da não cessação de contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação.
No entanto, este regime carecia de regulamentação por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da segurança social. Volvido o primeiro semestre de 2021, a tão “esperada” Portaria foi publicada no passado dia 23 de julho – Portaria n.º 295/2021, de 23 de julho de 2021 –, sendo que a opção jurídica tomada não se pode considerar como sendo a mais razoável, já que a produção de efeitos da referida Portaria retroage a 1 de janeiro de 2021, abrindo-se, desde já, uma janela de litigância, pois, além das várias dúvidas que a aplicação prática deste regime continua a suscitar, e que se esperava que a Portaria esclarecesse (e não o fez cabalmente), bem como do facto da referida Portaria nos parecer alargar o escopo do próprio regime, as Empresas abrangidas pelo referido regime que concluam que tenham incumprido no primeiro semestre de 2021, nunca tiveram oportunidade de tomar medidas preventivas para obviar esse incumprimento.
Além do cariz retroativo, importa destacar os seguintes aspetos introduzidos pela Portaria:
- Quanto às entidades sujeitas, não se encontram abrangidas pelo regime as entidades empregadoras que não sejam consideradas PME no período de tributação de 2020, nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro. Daqui parece-nos resultar o alargamento do âmbito de aplicação do regime, já que, nos termos da LOE 2021, a aferição da qualificação de PME era efetuada nos termos previstos no artigo 2.º do anexo do referido Decreto-Lei, o que significa que seria aferido numa lógica individual, não considerando a informação relativa a empresas associadas e parceiras (o que se passa a considerar pela remissão para o anexo todo, ao invés de apenas para o artigo 2.º do referido anexo).
- O acesso aos apoios públicos durante ao ano de 2021, bem como a utilização de incentivos fiscais no exercício de 2021, fica condicionado à observação da manutenção do nível de emprego nos termos previstos na lei e à não cessação de contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento previstas na lei. Daqui resulta que, além do acesso ou da concessão de apoios públicos e incentivo fiscais, também a utilização de benefícios fiscais durante o ano de 2021 ou o exercício de 2021 (nos quais se incluem incentivos referentes a exercícios anteriores) ficam dependentes do cumprimento daquelas condições, sendo que a LOE 2021 apenas faz referência ao acesso e concessão de apoios e incentivos no ano ou exercício de 2021.
- A entidades sujeitas ao regime poderão demonstrar o cumprimento das condições de manutenção do nível de emprego considerando o computo global das entidades (residentes em Portugal ou entidades com estabelecimento estável em Portugal) que com ela tenham uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo. Este aspeto não se encontra previsto na LOE 2021, mas permite evitar o risco de incumprimento, por exemplo, no caso de sociedades que decidam implementar operações de reorganização que impliquem a transferência de trabalhadores para empresas do grupo.
- Para efeitos de aferição da manutenção do nível de emprego, considera-se o número médio de trabalhadores apurado tendo em conta o número de trabalhadores da empresa nos meses decorridos entre outubro de 2020 e o mês anterior ao da candidatura, utilização ou formação do apoio público ou incentivo fiscal. No entanto, não é claro como se apura o número de trabalhadores em cada um dos meses – considera-se o número de trabalhadores no primeiro dia de cada um dos meses? Ou no último dia? Considera-se o número médio mensal? Considera-se o número de trabalhadores diário em cada um dos meses para apurar o número médio de trabalhadores no período relevante?
Posto isto, parece-nos que, considerando o objetivo da Portaria de “(…) desenvolver e densificar os critérios adotados para efeitos de verificação do nível de emprego (…)” e de “clarificar (…), em termos de amplitude temporal, a forma como o incumprimento do regime se traduz a nível da não atribuição ou imediata cessação dos apoios públicos ou incentivos fiscais (…)”, esta extravasou claramente quer a sua finalidade, quer o previsto na LOE 2021, tendo a opção jurídica de retroatividade acabado por ser surpreendente face ao período desafiante e difícil que o tecido empresarial atravessa, em que o expectável seria as atenções permanecerem viradas para a definição de políticas de apoio social capazes de mitigar os efeitos da crise pandémica.