Opinião

Inteligência Artificial: entre a (não) regulação e a (não) fiscalidade

Vivemos numa era marcada pela revolução da Inteligência Artificial (IA). Da logística à saúde, da educação às finanças, a IA tem sido incorporada, e bem, em praticamente todas as esferas da nossa vida. Contudo, no meio deste turbilhão tecnológico, Portugal parece apresentar-se mais como espectador do que como participante ativo. Não se pretende, obviamente, apontar o dedo aos operadores económicos ou à Academia, que se dedicam a esta área, mas refere-se antes à abordagem do Estado, onde há insuficientes desenvolvimentos. O maior desafio está além da mera evolução tecnológica. Neste contexto, a abordagem do Estado pode, para já, dividir-se em duas grandes áreas: Regulamentação – i.e., as leis e regulamentos que definem e visam a IA, os organismos (públicos) responsáveis, as regras e princípios que os operadores económicos devem cumprir e os incentivos que lhes podem ser aplicáveis; e a Fiscalidade – i.e., deve ou não haver impostos especialmente incidentes sobre a IA e, se sim, quais, como, sobre quem e / ou sobre o quê devem aplicar-se. A falta de regulamentação adequada na área da IA é uma questão urgente e fundamental. No contexto europeu, foram aprovadas, muito recentemente, regras relativas à IA – o Parlamento Europeu aprovou, em…

Vivemos numa era marcada pela revolução da Inteligência Artificial (IA). Da logística à saúde, da educação às finanças, a IA tem sido incorporada, e bem, em praticamente todas as esferas da nossa vida.

Contudo, no meio deste turbilhão tecnológico, Portugal parece apresentar-se mais como espectador do que como participante ativo.

Não se pretende, obviamente, apontar o dedo aos operadores económicos ou à Academia, que se dedicam a esta área, mas refere-se antes à abordagem do Estado, onde há insuficientes desenvolvimentos.

O maior desafio está além da mera evolução tecnológica.

Neste contexto, a abordagem do Estado pode, para já, dividir-se em duas grandes áreas:

  • Regulamentação – i.e., as leis e regulamentos que definem e visam a IA, os organismos (públicos) responsáveis, as regras e princípios que os operadores económicos devem cumprir e os incentivos que lhes podem ser aplicáveis; e a
  • Fiscalidade – i.e., deve ou não haver impostos especialmente incidentes sobre a IA e, se sim, quais, como, sobre quem e / ou sobre o quê devem aplicar-se.

A falta de regulamentação adequada na área da IA é uma questão urgente e fundamental.

No contexto europeu, foram aprovadas, muito recentemente, regras relativas à IA – o Parlamento Europeu aprovou, em março, um Regulamento, o AI Act, que aguarda os seguintes passos legislativos na UE, nomeadamente a apreciação no Conselho.

 

Em Portugal, apesar da Estratégia aprovada para a IA, em 2019, e de uma “Carta” sobre os Direitos na era digital, em 2021, inexiste regulamentação sobre a matéria, sendo que o atual vazio legal faz imperar a incerteza e a insegurança junto dos operadores económicos.

 

Um plano legal, a existir, não deve ser sinónimo de entraves ou restrições ao crescimento da IA, mas estabelecer as regras do jogo para uma “IA responsável”.

 

Além disso, ainda não existe uma entidade nacional responsável pelo acompanhamento e supervisão destas matérias (ao contrário, por exemplo, de Espanha, que já a criou e regulamentou – a Agencia Española de Supervisión de la Inteligencia Artificial).

Deste modo, os operadores económicos que pretendem constituir a sua atividade em Portugal deparam-se com uma ausência de regras e de autoridade, que é tanto prejudicial para estes como para os consumidores.

A IA representa um setor, com enorme transversalidade, em plena expansão, com um potencial imenso e ainda com muito por explorar. Por isso, apostar na inovação e atrair investimento, que é também atrair e reter talento, deve ser uma prioridade.

Mas é preciso mais do que simplesmente atrair investimento. É crucial implementar políticas de inovação e criar incentivos fiscais e financeiros que possam potenciar o desenvolvimento da IA em Portugal.

Assim, além da criação de uma autoridade pública e da implementação do respetivo enquadramento legal, é também necessário iniciar o debate da sua fiscalidade, enquanto instrumento de política económica.

Deveria assim refletir-se sobre se deve existir já algum tipo de tributação e, se sim, como deveria a mesma ser implementada, e, em simultâneo, quais os incentivos, mas também os meios e as finalidades que uma eventual receita poderia trazer e a que fins deveria ser alocada.

Alguns países já avançaram no sentido da adoção de impostos sobre a IA (exemplo paradigmático: Coreia do Sul), o que pode até parecer precipitado, mas é uma medida que merece ser analisada, por forma a perceber como foi implementada e quais os resultados que têm sido alcançados através da mesma.

Nesta discussão da fiscalidade surgem inúmeras abordagens, como por exemplo: se deve ser tributado o proprietário da IA, através de uma taxa própria para a automação, se deve ser criada uma ficção legal, atribuindo-se um hipotético salário de acordo com as qualificações do trabalho desenvolvido pela IA, entre muitas outras variantes que vários estudos e artigos têm apontado como plausíveis. Há, assim, várias formas de implementar a tributação e de alcançar um objetivo através da mesma – importante é discuti-las.

Aliás, refira-se, uma fiscalidade sobre a IA pode potencialmente resultar, pelo menos para já, num alívio da tributação que existe sobre outras componentes, das quais o IRS e as contribuições para a Segurança Social (SS) representam uma fatia considerável e que urge diminuir. Como hipótese alternativa, entre outras, há, igualmente, a possibilidade de alocação das receitas para outros fins, visto que se discute a sustentabilidade da SS, existindo já um grupo de trabalho dedicado a identificar fontes alternativas de financiamento deste sistema.

Precisamos, por isso, de um debate robusto, liderado pelo Estado, envolvendo todos os setores da sociedade (com claro enfoque na Indústria e na Academia). Só assim poderemos abordar a IA de uma forma estruturada e sustentável para o futuro.

É necessária uma abordagem transversal, que vá desde a criação de um enquadramento legal, à constituição de uma autoridade nacional, a políticas de inovação, à atração de investimento, até à fiscalidade, levando em consideração todos os impactos que essa realidade implica. A nossa capacidade de enfrentar de forma eficaz e ponderada estes desafios determinará o lugar que Portugal assumirá nesta nova era.

Para quando, então, um plano abrangente que inclua regulação, inovação, atração de investimento e a discussão da fiscalidade?