Opinião

O Imposto do Selo e as Contribuições

Os resultados do survey isso confirmam. E, curiosamente, todos estes tributos (mesmo o Imposto do Selo) começaram por ser impostos temporários ou extraordinários, mantendo-se indefinidamente. O Imposto do Selo é um claro exemplo: foi criado por Alvará Régio em 24 de dezembro de 1660 (ótima prenda de Natal!), para suprir temporariamente uma falta de receita pública, e mantém-se até hoje. Podemos, assim, afirmar com alguma propriedade que nada é mais permanente em Portugal do que um imposto extraordinário.  A capacidade de mutação destes tributos justifica a sua longevidade. O imposto do selo conseguiu transfigurar-se: de imposto baseado na formalidade e na aposição de fé pública ancestral, passou a incidir sobre temas da modernidade. O grande problema a este respeito é a eficiência e o papel do Estado. Anteriormente o Estado outorgava a sua proteção autoritária àquele documento ou operação em troca de um pagamento “de tutela” tendo em vista a garantia da fluidez e segurança no tráfego jurídico e económico. Hoje em dia, essa justificação tutelar não encontra suporte, já que a função do Estado se transmutou para a área da simples regulação e da garantia da eficiência do mercado, onde a função principal é a eliminação de obstáculos à…

Os resultados do survey isso confirmam. E, curiosamente, todos estes tributos (mesmo o Imposto do Selo) começaram por ser impostos temporários ou extraordinários, mantendo-se indefinidamente. O Imposto do Selo é um claro exemplo: foi criado por Alvará Régio em 24 de dezembro de 1660 (ótima prenda de Natal!), para suprir temporariamente uma falta de receita pública, e mantém-se até hoje. Podemos, assim, afirmar com alguma propriedade que nada é mais permanente em Portugal do que um imposto extraordinário. 

A capacidade de mutação destes tributos justifica a sua longevidade.

O imposto do selo conseguiu transfigurar-se: de imposto baseado na formalidade e na aposição de fé pública ancestral, passou a incidir sobre temas da modernidade. O grande problema a este respeito é a eficiência e o papel do Estado. Anteriormente o Estado outorgava a sua proteção autoritária àquele documento ou operação em troca de um pagamento “de tutela” tendo em vista a garantia da fluidez e segurança no tráfego jurídico e económico.

Hoje em dia, essa justificação tutelar não encontra suporte, já que a função do Estado se transmutou para a área da simples regulação e da garantia da eficiência do mercado, onde a função principal é a eliminação de obstáculos à fluidez do mercado, corrigindo falhas de mercado. Ora, neste jogo exigente, as falhas de política são inadmissíveis, bem como impostos ineficientes. Isso coloca uma pressão adicional sobre o imposto do selo.

A sua causa deve ser bem fundamentada, já que a sua legitimidade só se baseia na função da garantia de redistribuição, ou seja, do princípio da igualdade. Assim, a única função atual do Imposto do Selo é a angariação de receita pública para o financiamento das prestações públicas. Porém, essa função reditícia não pode implicar a criação de obstáculos desproporcionados ao mercado ou de desigualdades relativas entre modelos de negócio equivalentes.

E os resultados do survey isso comprovam. 96% dos inquiridos (de longe a opinião mais unânime de todas as questões) solicitaram a isenção de Imposto do Selo em operações de gestão centralizada de tesouraria intra-grupo, como por exemplo, o cash-pooling. São claras as razões desta unanimidade: a gestão de tesouraria é uma função essencial em sede de eficiência de gestão interna de um grupo empresarial sendo pouco justificável uma ingerência tributária no seu seio, ainda mais quando o devedor e o credor são, invariavelmente, o mesmo sujeito económico. De facto, uma coisa é um benefício externo decorrente de um crédito concedido, onde o imposto do selo aparece oportunisticamente para capturar parte desse goodwill, outra coisa é uma presença permanente – irritante – em todos os momentos de uma função de gestão interna, que se pretende o mais eficiente e neutra possível.

A mesma crise de legitimidade se verifica ao nível da incidência de Imposto do Selo nas aquisições de imóveis e nas operações de trespasse, embora por razões distintas. No caso das transmissões de imóveis (92% dos inquiridos defendem a eliminação desta incidência), a razão é a tributação cumulativa com o IMT. Aqui, na nossa opinião pessoa, o problema reside mais no IMT do que no Imposto do Selo. Ambos funcionam como impostos de registo: o selo para a garantia da proteção notarial e registral de longo prazo; o IMT para a criação do cadastro (atualmente ainda inexistente). Ora, se nada for feito em sede de reflexividade em sede de IMT, a sua legitimidade é nula (relembre-se a sua qualificação como “imposto mais estúpido do Mundo”), o que afeta reflexivamente o Imposto do Selo. No caso dos trespasses (84% de opiniões desfavoráveis), a questão é diversa. A sua incidência original era simplesmente justificada também pelo goodwill (aqui também no sentido estrito do termo) que era transmitido no momento da transmissão de arrendamentos comerciais. Porém, e isto demonstra mais uma vez a incrível capacidade de mutação do Imposto do Selo, quando esse regime foi destruído pela alteração do novo regime de arrendamento, a Administração Fiscal tratou de estender este conceito para fronteiras onde o legislador (e a própria Administração Fiscal no seu entendimento original) não ousava sequer observar no momento inicial. Ora, essa extensão incomportável tem como consequência inevitável a criação de obstáculos excessivo, e consequentemente, o fim da legitimidade desta verba enquanto tipo tributário equilibrado na angariação de receita pública.

Em sentido inverso, e isto prova a credibilidade da amostra e consequentemente dos resultados, a maioria dos inquiridos (54%) concorda com o aumento da taxa do imposto do selo sobre o crédito ao consumo e redução para crédito ao investimento.  Esta questão prova a sensibilidade dos contribuintes à função regulatória do imposto do selo, e a necessidade de se proceder a uma reforma integral do modelo, tendo em vista a manutenção da sua legitimidade.

No caso das Contribuições, a tendência é similar. No momento em que desaparecem da própria designação da DGCI (que passou a chamar-se, em 1997, Direção Geral dos Impostos, retirando-se o C das Contribuições), tenderam a multiplicar-se um pouco por todo o lado. Tal resultou da emergência do princípio da equivalência ou do benefício, impulsionada pelo crescimento da função reguladora do Estado. Não é por acaso que a AT, quando aparece, se denomina como “Tributária”, alargando o perímetro de figuras em sua alçada.

Ainda assim, 58% dos inquiridos afirmam ser necessária uma revisão de fundo (24%) ou existirem aspetos significativos a melhorar (34%) no campo das contribuições extraordinárias. Ora, se estas contribuições têm como fundamento a inclusão de eficiência no mercado (internalizado externalidades negativas ou socializando externalidade positivas), como se justifica esta opinião maioritária?

Nos últimos anos temos assistido a uma proliferação de “contribuições”, num modelo quase anárquico e insuficientemente fundamentado, sem que, para o efeito, existisse uma doutrina sólida relativamente aos termos qualitativos e quantitativos dos seus requisitos essenciais.

Sem uma doutrina sólida de referência, o legislador não tem referências para a definição de uma política eficiente e justa neste campo. E isso é particularmente importante pois, normalmente, a definição dos elementos essenciais destes tributos é efetuada por organismos sectoriais, muitas vezes com reduzida intervenção do Ministério das Finanças, o que impede, o desenvolvimento de uma ação reguladora a este aspeto.

De facto, esta estratégia tem diversos problemas: em primeiro lugar, a proliferação desenfreada de tributos e para-tributos impede uma efetiva avaliação da carga tributária dos sujeitos passivos; por outro lado, a lógica subjacente à exigência de um princípio de generalidade dos tributos é sucessivamente mais afetada, sem que exista uma justificação coerente entre as exceções e a incidência. Senão vejamos, e somente a título de exemplo: contribuição extraordinária sobre o sector energético; contribuição sobre o sector bancário, contribuição extraordinária sobre o sector farmacêutico; contribuição para a ERC; taxa de segurança alimentar; taxa de turismo; contribuição para a proteção civil, entre outras. A principal critica que se faz a esta função criativa é a seguinte: ao contrário do que o legislador entende, a exigência arquitetónica para a correta configuração constitucional de tributos desta índole é extraordinariamente exigente. Ao invés, verificamos um relativo laxismo técnico assente no pressuposto – errado – segundo o qual estes tributos seriam de configuração mais simplificada que os impostos tradicionais. Nada mais errado: a partir do momento em que a teleologia subjacente assenta numa oneração de determinados sectores por via da internalização de riscos especiais ou de privilégios históricos “injustificados”, a exigência técnica de modelação do esforço tributário exigido aumenta exponencialmente: a causa do tributo não é unicamente assente num dever unilateral de contribuir, mas numa relação tributária reflexa que deve ser calibrada no lado ativo e passivo. Estas são questões que merecem uma reflexão mais cuidado uma vez que o Tribunal Constitucional tem (e bem) sido bastante exigente e abrangente na configuração tributária de realidades anómalas, abarcando para a área fiscal realidades que tentavam fugir (como é o caso da compensação equitativa pela cópia privada) ou que tradicionalmente se encontravam fora do próprio âmbito da receita do Estado (como foi o caso do corte da pensões) configurando cortes de despesa como verdadeiras medidas fiscais.

Assim, um tributo que se legitima conceptualmente como “corretor de mercado” pode muito facilmente transformar-se num “distorsor de mercado”. Por vezes, o legislador, consciente deste forçar, denomina as contribuições de “extraordinárias”. Porém, como o Imposto do Selo, elas tendem a manter-se, e até mesmo a reforçar-se. Ora, os resultados do survey demonstram que os contribuintes estão atentos e que é importante que o legislador repense estes modelos tributários a bem da competitividade do país e da legitimidade do nosso sistema tributário.