Exige-se a manutenção da intensidade das políticas de coesão, mas não se prevê o modelo de compensação dos financiamentos cessantes decorrentes da saída do gigante britânico na sequência do Brexit.
O labirinto financeiro está instalado. Queremos mais intensidade e extensão na prestação de utilidades por parte dos organismos comunitários, mas o modelo tradicional de financiamento levará, inexoravelmente, a uma menor verba disponível para o efeito.
Portugal está numa posição relativamente difícil. Sendo um dos países do grupo da coesão, será daqueles que poderão sofrer mais com a redução do orçamento comunitário. A questão é sensível: políticas monetária e de concorrência, alinhadas com os “golden standards” inerentes ao mercado interno e à união económica e monetária, terão efeitos devastadores na competitividade nacional, se não forem ponderadas com transferências de coesão. Não se pode aplicar um modelo de igualdade formal a um país que é materialmente desigual face aos demais.
Assim, o desafio é claro: é essencial refundar o modelo de financiamento da União Europeia, ou seja, reformatar os seus fundos próprios. Esta tarefa é particularmente sensível: a sensibilidade dos países mais ricos para o primado da coesão já mereceu melhor atenção, pelo que uma qualquer solicitação de maiores transferências para o orçamento comunitário não merecerá, presumivelmente, vencimento. Ora, a solução alternativa (e não haverá outra) passará por aumentar a base de financiamento próprio da União Europeia por via de impostos europeus, o que é particularmente difícil dada a ausência de legitimidade política para o seu lançamento. E essa lacuna manifesta-se de duas formas: em primeiro lugar, o princípio sacrossanto no taxation without representation atua nesta situação de uma forma desmesurada – se não existe representação política direta, torna-se impossível legitimar uma tributação –; em segundo lugar, o princípio da subsidiariedade aloca às instituições comunitárias políticas de alto nível, que não são recebidas de forma direta e imediata pelos cidadãos europeus, o que origina uma total ausência de perceção de um qualquer nexo de equivalência, ainda que meramente difuso, entre aquilo que se paga a título de impostos e aquele de que se beneficia por parte da ação política comunitária.
É neste enquadramento particularmente difícil que se inicia a discussão sobre a introdução de “novos impostos comunitários”. O ponto de partida é dado pelo relatório Monti de dezembro 2016 (disponível em: http://ec.europa.eu/budget/mff/hlgor/library/reportscommunication/ hlgor-report_20170104.pdf), que contém as propostas para a reforma orçamental da União Europeia. Sem surpresas, refere que não existe uma “solução ideal, mas unicamente algumas soluções praticáveis”. E as soluções seriam as seguintes: (i) a reforma do sistema IVA-recurso próprio; (ii) a introdução de imposto europeu sobre as sociedades; (iii) a criação de um imposto sobre as transações financeiras (FTT) e (parte inovadora) sobre as atividades financeiras; (iv) o lançamento de contribuições ambientais (sobre o CO2, sobre a eletricidade, sobre os combustíveis); (v) a instituição de um imposto alfandegário sobre produtos importados de países com um volume de emissões elevado; e, mais recentemente, (vi) a criação de um imposto sobre plataformas digitais.
Analisemos estas propostas de forma muito sintética. Em geral, deve-se referir que todos os novos impostos são por definição maus impostos. O custo da sua instituição é enorme, e a receita que se alcança reduzida. Neste quadro, haverá que fazer um esforço na utilização de tributos já existentes. Vejamos, então, se isso já se verifica. No caso do IVA-recurso próprio, esta já existe desde os primórdios do sistema IVA, nada há de inovador a este respeito. Por sua vez, a introdução de um imposto europeu sobre as sociedades constitui um objetivo audaz, tanto mais que a mera solução de coordenação (o CCCTB) se encontra em discussão faz mais de uma década e ainda não viu a luz do diz. Mais recente é a iniciativa FTT, que nasceu nos tempos da crise financeira. Duas notas a este respeito: primeira, se os efeitos da crise não a tornaram real, duvidamos que seja uma mera pretensão financeira orçamental o faça; segunda, o nosso País já tem um imposto sobre a atividade financeira – o Imposto do Selo. Significará, isso, que iremos prescindir da nossa atual base de imposto?
Quanto a impostos ambientais, Portugal é um benchmark global: já existe o adicional referente ao CO2 introduzido pela Reforma da Fiscalidade Verde, e a tributação automóvel e da eletricidade é a mais avançada da Europa a este respeito. Duas questões a este propósito: (i) como se articula esta pretensão impositiva com o Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE)? Teremos a cumulação de instrumentos pigouvianos com instrumentos coaseanos? Tal não é eficiente em termos económicos, originando dupla tributação económica; (ii) os impostos ambientais são, por definição, suicidas – existem para desaparecer – ou seja, para alterar os comportamentos dos sujeitos passivos. Não nos parece que tal mecanismo seja o mais indicado para compor um sistema de financiamento duradouro do orçamento comunitário (o duplo dividendo é, e sempre será, uma miragem). Por sua vez, o imposto alfandegário sobre produtos importados de países fortemente emissores esbarrará em discussões hercúleas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, finalmente, a criação de um imposto sobre as plataformas digitais não faz qualquer sentido, uma vez que o que está em causa é unicamente a reformulação das regras de imputação territorial do direito fiscal internacional, quer em sede de tributação do rendimento, quer do consumo.
A discussão certa seria, a nosso ver, a contribuição para a União Europeia de parte dos impostos já existentes a nível nacional. Por outras palavras, a manutenção e reforço das transferências nacionais. Qualquer outra solução não sairá do plano teórico (na melhor das hipóteses).