Que o desenvolvimento sustentável tem sido o centro de atenção de diversos países não é nenhuma surpresa. Para cumprir com os compromissos em matéria de sustentabilidade ambiental, têm sido criadas medidas variadas para, de modo geral, promover a neutralidade carbónica e combater as alterações climáticas.[1]
Em Portugal, existem medidas fiscais de sustentabilidade, as quais têm aumentado nos últimos anos. A maioria dessas ações situa-se a nível nacional e é bastante consistente com as aplicadas em outros Estados Membros da União Europeia.
Nota-se uma bem-intencionada (e louvável) atitude do Estado que tem o objetivo de impulsionar o setor privado a atuar de forma ambientalmente responsável e socialmente consciente e, como contrapartida, permitir que Portugal esteja em evidência na atração de investimentos locais e estrangeiros.
Um exemplo desse caminho positivo traçado por Portugal nos últimos anos é a transição energética, isto é, a busca por energias renováveis (“energia limpa”), cujos investimentos privados têm o potencial de ascender a 60 mil milhões de euros, o que representa 25% do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal[2].
Num primeiro momento, o Estado atua como agente incentivador de fomento dessa atividade; entretanto, de modo incoerente, têm sido adotadas medidas de natureza fiscal agressivas que, em verdade, não estimulam o investimento do setor privado e promovem um ambiente de recorrente litigância entre as entidades do setor e o Estado (i.e., através da Autoridade Tributária e Aduaneira – “AT”).
No que em particular respeita a este sucinto artigo informativo, concentremo-nos na conhecida discussão em torno da tributação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) incidentes sobre torres eólicas.
Mediante o entendimento consolidado na Circular n.° 8/2013, de 4 de outubro, a AT qualificou cada torre eólica (aerogerador) como uma unidade independente em termos funcionais, conferindo-lhe a natureza jurídica de prédio urbano para fins de incidência do IMI.
À época da publicação da referida Circular, foram emitidas liquidações adicionais de IMI, o que resultou num contencioso fiscal cuja conclusão ocorreu em março de 2017, quando o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) concluiu, ao julgar o Processo n.º 140/2015[3], que a ausência de autonomia/independência económica não permite a classificação das torres eólicas como prédios urbanos (na categoria “outros”) e, consequentemente, as mesmas não se encontram sujeitas a IMI.
Alguns anos depois, especificamente em 2021, a AT emitiu a Circular n.° 2/2021, de 3 de março, por meio da qual revogou a Circular n.º 8/2013, de 4 de outubro, e publicou o seu “novo” entendimento relativamente à incidência de IMI em face de centrais eólicas/parques eólicos e centrais solares.
Além da harmonização dos conceitos aos parques eólicos e solares, bem como o esclarecimento acerca do tratamento matricial, sobretudo nos casos em que as centrais estejam localizadas em mais que uma freguesia, a AT reafirmou a sua posição ao qualificar as centrais eólicas e solares, em função do licenciamento das construções, como prédios urbanos industriais.
A compreensão da AT, nesse caso, foi pautada em orientações genéricas nos termos das quais as centrais eólicas e as centrais solares são realidades que preenchem os elementos estruturais do conceito de prédio, isto é, englobam os elementos físico, jurídico e económico.
Segundo a AT, as centrais eólicas envolvem as subestações, os edifícios de comando e as torres eólicas que compõem a central, bem como o terreno onde estejam implantadas estas construções. Por torres eólicas, entendem-se as fundações (sapata em betão armado) e as torres (em aço ou betão), excluindo-se as turbinas (rotor e cabine) e pás.
Nota-se que, no passado, o impacto para fins de IMI era avaliado torre a torre; enquanto, a partir de 2021, o VPT envolve o parque eólico como um todo, incluindo-se as torres. O efeito prático do “novo” entendimento não difere do que já era praticado e, como consequência, tem fomentado o contencioso fiscal em Portugal, pelo que caberá novamente aos Tribunais Portugueses (v.g. provavelmente ao nível do STA) definir se, sob essa nova Circular, as torres eólicas devem ser consideradas prédios, para fins de IMI. Importante destacar que já se tem verificado que as entidades que operam na área da energia eólica têm vindo a apresentar impugnações judiciais em face das liquidações de IMI.
O cenário acima relatado apenas demonstra que o Estado apresenta uma espécie de esquizofrenia. Se, por um lado, fomenta o investimento em energias renováveis, por outro lado, pretende obter para si a tributação do IMI sobre torres eólicas, enquadrando-as como prédios para fins de IMI.
Parece-nos que o desejado ganho financeiro do Estado, nesse caso, deve ser obtido por meios – indiretos – que não a tributação do IMI, privilegiando-se o investimento do setor privado e alinhando-se ainda mais ao favorecimento das medidas de desenvolvimento sustentável.
Afinal, se possui a transição energética como objetivo nacional (em alinhamento com diretrizes internacionais), o Estado não deve inibi-la por conta do seu interesse tributário (meramente numa perspetiva de arrecadação de receita fiscal que pode até revestir uma natureza castradora). A tributação deve ser um instrumento de propulsão dos interesses precípuos do Estado, e não um impeditivo. A política fiscal deve ser coerente com a política de investimento do Estado.
É certo que os contornos subjacentes do IMI sobre torres eólicas demonstram que a discussão está longe de estar encerrada. Resta-nos aguardar por futuras decisões judiciais quanto ao tema (i.e. que se esperam clarificadoras), entretanto com a expetativa de que ocorram alterações interpretativas, quiçá legislativas!
[1]A EY disponibiliza o Green Tax Tracker, plataforma eletrónica que fornece uma visão geral dos incentivos à sustentabilidade de diversos países. Consulte aqui: https://www.ey.com/en_gl/tax-guides/keeping-pace-with-sustainability-incentives-carbon-regimes-and-environmental-taxes
[2]https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=intencoes-de-investimento-em-energias-renovaveis-em-portugal-ascendem-a-60-mil-milhoes-de-euros, acesso em 18 de julho de 2023.
[3]http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2bc0b8e95fa15051802580e6004254cd?OpenDocument, acesso em 18 de julho de 2023.