Em paralelo com a apresentação da iniciativa Business in Europe: Framework for Income Taxation (“BEFIT”), um pacote de medidas que tem como objetivo a redução dos custos com compliance fiscal para as grandes empresas que operem em mais que um Estado-membro da UE, a Comissão Europeia anunciou também uma proposta para implementação de uma Diretiva de Preços de Transferência que pretende introduzir, pela primeira vez, uma abordagem comum para a aplicação do princípio de plena concorrência.
A existência de 27 sistemas fiscais diferentes, cada um com as suas especificidades, torna naturalmente o compliance fiscal na UE particularmente oneroso. Adicionalmente, a complexidade associada às diferentes regras de preços de transferência nos diversos países da UE dá lugar à ocorrência de inúmeras situações de contencioso e situações de dupla tributação, bem como promove custos de compliance significativos. Neste sentido, por forma a aumentar a competitividade das empresas europeias e encorajar investimento estrangeiro, a Comissão tem vindo a alertar para a necessidade da simplificação e harmonização da legislação comunitária nesta área
Verificando ser, cada vez mais, um tema importante nas agendas dos contribuintes e das administrações fiscais, a Diretiva pretende assegurar que o papel e interpretação das Orientações da OCDE em matéria de Preços de Transferência (seguidas pela generalidade dos países) é incluída de forma vinculativa na legislação de cada Estado-membro e, desta forma, permitir tornar mais consistente e uniformizada a aplicação destas regras a nível europeu, visando minimizar as práticas agressivas de planeamento fiscal. No essencial, a proposta de Diretiva está organizada em 3 partes:
- O princípio de plena concorrência (“PPC”) e as possíveis consequências da sua aplicação;
- Determinação dos elementos-chave que são relevantes para a aplicação do PPC;
- Introdução de um mecanismo para o estabelecimento de regras comuns que visam harmonizar e simplificar a interpretação e aplicação do PPC.
Em concreto, as medidas incluídas abrangem todas as empresas sujeitas a tributação num dos Estados-membro da UE e preveem:
- Uma definição comum de empresas relacionadas: entende-se como empresa relacionada uma empresa que participa na gestão de forma influente em outra empresa; tem uma participação superior a 25% nos direitos de voto; participa no capital em mais de 25%; ou tem direito a 25% ou mais dos lucros.
- Ajustamentos correlativos: processo para aplicação de ajustamentos correlativos em transações transfronteiriças que pretende resolver, num espaço de 180 dias, qualquer procedimento relacionado com dupla tributação resultante de um ajustamento primário realizado num Estado-membro.
- Ajustamentos de compensação: implementação de um mecanismo através do qual os ajustamentos associados a transações intragrupo na UE são reconhecidos pelo Estado-membro em que o ajustamento é primariamente realizado (ajustamento positivo), bem como pelo Estado-membro em que se reflete um ajustamento negativo.
- Determinação do intervalo de plena de concorrência: utilização do intervalo interquartil como referência padrão.
As medidas previstas entrarão em vigor, caso a proposta de Diretiva seja aprovada, a partir de janeiro de 2026. Para já, a proposta segue para o Parlamento Europeu, que poderá sugerir alterações ao documento, e posteriormente para o Conselho Europeu que, em última instância, tem a capacidade de rever e aplicar as mesmas sugestões, ou eventualmente alterar conforme os interesses de cada Estado-membro.
Não obstante a política fiscal ser ainda um dos últimos redutos da soberania dos Estados-membro, as preocupações relacionadas com a deslocalização artificial de lucros e dupla tributação tornam evidente a necessidade de uma abordagem coordenada a nível comunitário. As Orientações da OCDE fornecem um quadro sólido para harmonizar estas preocupações, dotando o cenário comunitário de uma abordagem de aplicação transversal e efetiva em todo o território. Tratando-se de matéria que requer a unanimidade dos Estados membros, e atendendo ao que tem acontecido com outras iniciativas de alcance semelhante (relembre-se o insucesso da Proposta de Diretiva de 2011 sobre a Base Comum de Tributação Consolidada e os avanços e recuos da Proposta de Diretiva sobre Entidades Fictícias para Efeitos Fiscais, também conhecida por ATAD 3) fica a dúvida se a Comissão terá a força suficiente para impor mais um pacote fiscal aos Estados membros.