Opinião

As novas regras fiscais estão a alterar a forma de financiamento dos negócios

A OCDE propôs uma limitação à dedutibilidade fiscal dos juros em 2015, quando emitiu o relatório final sobre a Ação 4 do BEPS. A OCDE justificou sua posição, argumentando que as empresas multinacionais podem: (i) colocar seletivamente níveis mais elevados de dívida de terceiros em países de elevada tributação; (ii) usar empréstimos intragrupo para gerar situações de dedução fiscal de juros acima da despesa efetiva que os grupos têm com entidades terceiras; e (iii) fazer empréstimos para gerar rendimentos isentos de imposto como, por exemplo, dividendos. Segundo a OCDE, todas estas situações constituem técnicas de erosão da base tributária ou de desvio de lucros. A solução que foi proposta pela OCDE consistiu em novas regras que permitam a dedução fiscal de encargos financeiros somente até ao limite de 10%  a 30% do EBITDA (com a grande maioria dos países, incluindo Portugal, a escolher o limite superior), existindo uma regra opcional de aplicação deste rácio ao nível de um grupo. Portugal foi, em 2013, dos primeiros países da OCDE a aplicar este tipo de regras, ainda antes da Reforma do IRC de 2014 que introduziu no Código do IRC um conjunto de recomendações previstas no Plano BEPS previamente à sua publicação…

A OCDE propôs uma limitação à dedutibilidade fiscal dos juros em 2015, quando emitiu o relatório final sobre a Ação 4 do BEPS. A OCDE justificou sua posição, argumentando que as empresas multinacionais podem: (i) colocar seletivamente níveis mais elevados de dívida de terceiros em países de elevada tributação; (ii) usar empréstimos intragrupo para gerar situações de dedução fiscal de juros acima da despesa efetiva que os grupos têm com entidades terceiras; e (iii) fazer empréstimos para gerar rendimentos isentos de imposto como, por exemplo, dividendos. Segundo a OCDE, todas estas situações constituem técnicas de erosão da base tributária ou de desvio de lucros.

A solução que foi proposta pela OCDE consistiu em novas regras que permitam a dedução fiscal de encargos financeiros somente até ao limite de 10%  a 30% do EBITDA (com a grande maioria dos países, incluindo Portugal, a escolher o limite superior), existindo uma regra opcional de aplicação deste rácio ao nível de um grupo. Portugal foi, em 2013, dos primeiros países da OCDE a aplicar este tipo de regras, ainda antes da Reforma do IRC de 2014 que introduziu no Código do IRC um conjunto de recomendações previstas no Plano BEPS previamente à sua publicação final.

A nível global continua a existir um conjunto significativo de países participantes na iniciativa BEPS que ainda não adotou este tipo de regras. No entanto, entre 2017 e 2018, espera-se que venham a ser adotadas, por um conjunto alargado de países, regras em linha com as propostas pela Ação 4 do BEPS ou outras formas de limitação da dedutibilidade fiscal de juros (e.g., China, Holanda e Índia). Adicionalmente, a nova Diretiva europeia antievasão fiscal, que entra em vigor em 1 de janeiro de 2019, limitará a dedutibilidade fiscal dos juros em todos os Estados-Membros da UE a 30% do EBITDA. Desta forma, há um conjunto muito significativo de países que se estão a movimentar na mesma direção, embora com algumas inconsistências na abordagem.

Esta tendência determina que as vantagens fiscais da dívida sobre o capital estejam a mudar. Anteriormente, a dívida era, na generalidade dos casos, dedutível para o devedor e era tributável na esfera do credor, enquanto o capital não era dedutível para o emitente, mas também não era tributável na esfera do investidor. Os dois tipos de financiamento eram, numa perspetiva integrada, iguais, mas, se se considerar apenas a perspetiva da entidade financiada, a vantagem da dívida era inequívoca.

No entanto, há ainda um conjunto de outros de aspetos que tendem a orientar o financiamento para o uso da dívida: os métodos de isenção para evitar a dupla tributação são, em muitos casos, apenas parciais e os sistemas de crédito de imposto nem sempre reconhecem a tributação total dos ganhos a partir dos quais os dividendos são pagos. Desta forma, e atendendo a um conjunto muito alargado de motivos, a tendência ao longo dos anos tem sido a de que o financiamento através de dívida fornece uma resposta fiscal muito mais eficiente.

Esse status quo está a ser alterado em consequência da já mencionada Ação 4 do BEPS. A regra que impõe um limite fixo impede uma dedução fiscal dos juros acima de um certo nível, mas mantém a sua tributação integral na esfera do credor, desnivelando a comparação entre ambas as fontes de financiamento.

Alguns países (incluindo a própria UE no âmbito do Diretiva ainda não aprovada da matéria coletável comum consolidada de imposto sobre as sociedades), embora não todos, estão a propor e a implementar medidas no sentido de conferir um tratamento fiscal mais vantajoso ao capital, quer através do nivelamento com o tratamento fiscal da dívida, quer através do favorecimento claro do financiamento através de capital. Portugal, pressionado por um endividamento galopante das empresas na última década, está neste último grupo de países com a recente reformulação e alargamento do regime da remuneração convencional do capital social que passou a prever, para feitos fiscais, uma taxa de juro presumida do capital de 7% que é claramente acima das taxas de mercado atuais.

Desta forma, é bastante provável que, no futuro, existam menos certezas e vantagens fiscais quanto ao uso de instrumentos de dívida por comparação a instrumentos de capital próprio. Se essa tendência se continuar a consolidar, assistiremos a uma mudança fundamental na forma como o investimento internacional é financiado. Isto significará que, à medida que o nível de dívida aumente, os motivos, de índole fiscal, para escolher instrumentos de dívida irão diminuir.

Esta não vai ser, no entanto, uma equação simples. Existe um conjunto de outras questões que acrescentarão complexidade às decisões e que são igualmente variáveis dessa equação, tais como a definição dos preços de transferência da dívida entre partes relacionadas, a Ação 2 do BEPS e as posições da UE sobre instrumentos híbridos (i.e., acordos que exploram diferenças no tratamento fiscal de instrumentos em dois ou mais países), entre outros.

Em conclusão, os custos de financiamento e o seu tratamento fiscal são um fator crucial para qualquer empresa – sobretudo em situações em que o mercado de capitais está incipiente, tal como sucede em Portugal, ou quando se está em presença de investimentos de private equity (que tendem a ser altamente alavancados) ou em processos de aquisição. Esta tendência para restringir a dedutibilidade dos juros não é nova, mas está a ganhar um impulso decisivo a nível global. Com todos estes sinais e alterações, é, sem dúvida, a altura ideal para as empresas fazerem uma avaliação da forma como os seus negócios são financiados, sob pena de poder vir a ser muito mais oneroso se essa avaliação for atrasada.