Opinião

Assinatura de mapas de quilómetros ou os quilómetros a percorrer até à meta da desmaterialização?

Nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, as ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal – comummente designados por “quilómetros” –, escriturados a qualquer título, apenas são considerados dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, quando a entidade patronal possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso dos quilómetros em viatura própria, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto se tributados em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário ou faturados a clientes, caso em que a dedutibilidade fiscal de tais gastos não se encontra dependente da existência de qualquer mapa de apoio e/ou controlo. A este respeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), publicou a Ficha Doutrinária proferida no âmbito do Processo n.º 1784/21, PIV 21076, com despacho da Diretora de Serviços do IRC, de 20 de junho de 2021, concluindo pela necessidade de assinatura, por parte dos…

Nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, as ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal – comummente designados por “quilómetros” –, escriturados a qualquer título, apenas são considerados dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, quando a entidade patronal possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso dos quilómetros em viatura própria, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto se tributados em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário ou faturados a clientes, caso em que a dedutibilidade fiscal de tais gastos não se encontra dependente da existência de qualquer mapa de apoio e/ou controlo.

A este respeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), publicou a Ficha Doutrinária proferida no âmbito do Processo n.º 1784/21, PIV 21076, com despacho da Diretora de Serviços do IRC, de 20 de junho de 2021, concluindo pela necessidade de assinatura, por parte dos colaboradores, dos mapas de quilómetros, a fim de cumprir com os requisitos de comprovação documental nos termos do n.º 3 do artigo 23.º, conjugado com a alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A, ambos do Código do IRC.

De acordo com o entendimento da AT, proferido na Ficha Doutrinária em apreço, os mapas de quilómetros são, nos termos do artigo 363.º do Código Civil (“CC”), considerados documentos particulares preenchidos pelos colaboradores a fim de registar as deslocações ao serviço da entidade patronal, feitas em viatura própria e pelas quais os mesmos recebem uma compensação, pelo que a assinatura dos mesmos é “um elemento essencial para o reconhecimento da autoria do documento e, consequentemente, para a aceitação do mesmo como prova”.

Refira-se que, no caso em concreto, a questão colocada à AT partiu de um contribuinte que tinha implementado um software de validação de despesas dos seus colaboradores, o qual permitia gerar um relatório de quilómetros, com toda a informação necessária à compreensão da deslocação, bem como com os dados fiscais, quer do colaborador, quer da empresa.

De facto, verifica-se atualmente uma forte tendência das empresas em adotar a utilização de software especializado em gestão de despesas incorridas por colaboradores como solução para o controlo e registo das mesmas, incluindo naturalmente as deslocações efetuadas em viatura própria por colaboradores ao serviço da empresa, sendo que tais softwares desempenham um papel relevante no aumento da eficiência na gestão deste tipo de processos administrativos, bem como uma alternativa viável e eficaz na desmaterialização deste tipo de processos.

O acesso a tais softwares é efetuado, regra geral, através de credenciais de acesso (username e password) individualizadas, que permitem atribuir a cada colaborador a autoria e responsabilidade pela criação dos seus relatórios/mapas de despesa. 

Contudo, e não obstante o acesso a tais softwares depender da introdução correta das respetivas credenciais (individualizadas) por parte do colaborador – permitindo desta forma assegurar a autoria do documento – entende a AT que é necessário que os mapas de quilómetros produzidos por tais softwares devem ser assinados, a fim de servirem como documento de suporte necessário à aceitação fiscal do gasto e apreço.

Numa época em que se continua a promover a simplificação, desmaterialização e desburocratização da relação entre a AT e os contribuintes, não pode a posição assumida pela AT deixar de ser recebida com surpresa por parte dos contribuintes e das empresas que desenvolvem os softwares em apreço.

De facto, se por um lado, o legislador estabelece o cumprimento exclusivamente por transmissão eletrónica de dados de diversas obrigações fiscais, se procuram formas de pré-preenchimento de obrigações declarativas, se criam domicílios fiscais eletrónicos permitindo que os contribuintes sejam notificados por esta via, se promove a utilização de meios de faturação eletrónica, se cria legislação com vista a permitir o arquivo digital de documentos fiscalmente relevantes e, inclusivamente, se permite a aceitação de documentos digitalizados para fins de documentação de gastos fiscalmente dedutíveis, por outro lado, vem a AT fazer depender a dedução fiscal de compensações por quilómetros em viatura própria, da assinatura manual de mapas de quilómetros produzidos através de softwares de gestão de despesas, cujo acesso é assegurado através de username e password que, por princípio, garantem desde logo a autoria dos referidos mapas.

Deverá assim a AT clarificar rapidamente o que é pretendido, pois não pode por um lado querer desmaterializar a sua relação com os contribuintes e, por outro, proferir entendimentos que produzem exatamente o efeito contrário, aumentando a carga administrativa e burocrática de simples procedimentos administrativos internos das empresas.