É demasiado frequente os sujeitos passivos serem confrontados com uma multiplicidade de posições diferentes por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em matéria de tributação indireta, o que os deve conduzir à formulação da seguinte pergunta “Foram as regras do jogo bem aplicadas”?
Sempre que os sujeitos passivos se encontrem em processo de inspeção, seja, por exemplo, pela submissão de um pedido de reembolso de IVA, seja por uma ação externa levada a cabo pela AT, é importante verificarem com detalhe os relatórios conclusivos produzidos pelos serviços de inspeção, nomeadamente, quais as referências às normas dos códigos fiscais aplicáveis e quais as propostas que foram concretizadas no documento. Esta análise constitui-se como elementar, na medida em que por diversas vezes, pode a AT não efetuar uma correta interpretação das normas de matéria fiscal e prejudicar o sujeito passivo com liquidações que se vêm a provar como inválidas.
O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente sobre este tema através do Processo n.º 0415/13.4BELRS de 09/03/2022, resultante de um recurso apresentado pela AT a este tribunal, com o intuito de recorrer de uma decisão que lhe foi desfavorável e que havia sido proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa.
No caso em apreço, apresentam um sujeito passivo que iniciou no ano de 1994 a sua atividade de fabricação, armazenagem e venda de artefactos de ourivesaria e joalharia. Posteriormente, em 2009 o sujeito passivo procedeu a um pedido de reembolso de IVA na declaração periódica de IVA do período de 2009/06T, iniciando-se um processo inspetivo da AT em meados do ano de 2010. Da ação inspetiva, resultou o indeferimento do reembolso de IVA, o qual se baseou nas seguintes irregularidades na contabilidade do sujeito passivo: i) Divergências entre os valores constantes dos extratos da contabilidade e os valores declarados nas declarações periódicas analisadas desde a formação do crédito de imposto (2002 a 2009); e ii) Crédito de IVA não devidamente justificado, referente ao reporte constante no campo 61 da declaração periódica do período de 2009/06T.
Destas conclusões, vem a AT referir que o sujeito passivo registava bens que não existiam fisicamente, tendo concluído pela omissão de vendas ao longo dos exercícios, juntamente com o facto do volume de negócios não pressupor a existência de custos tão elevados face ao crédito apresentado. Neste pressuposto e além do indeferimento do processo de reembolso, a AT procedeu no final de 2010 à emissão de uma liquidação adicional de IVA, tendo por base o IVA em falta, não declarado no exercício de 2003.
Posto isto, o sujeito passivo discordando da liquidação adicional de IVA que lhe havia sido emitida, intentou contrariar a decisão, todavia, sem sucesso em todas as fases administrativas (i.e. reclamação graciosa e recurso hierárquico), isto porque, todos os órgãos decisivos mantiveram a mesma posição do processo inspetivo. Apenas o Tribunal Tributário de Lisboa veio conceder provimento ao recurso apresentado pelo sujeito passivo, o qual provou que a liquidação adicional de IVA apresentava irregularidades, nomeadamente em matéria da aplicação do prazo previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT). Ou seja, segundo o Tribunal Tributário de Lisboa a liquidação adicional de IVA emitida ao sujeito passivo em 2010 é indevida, uma vez que, ultrapassa os prazos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, ou seja, na medida em que os factos tributários reportam a 2003 (a contagem do prazo de caducidade iniciava-se a 1 de Janeiro de 2004) a liquidação deste IVA em falta, teria que ser emitida no limite até 31 de Dezembro de 2008 (prazo dos quatro anos previstos nos mencionados números do artigo 45.º da LGT). Esta posição do tribunal contrasta com a da AT, que julgava ser possível a aplicação do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, devendo a contagem do prazo de caducidade ser iniciada a partir do momento em que o sujeito passivo exerceu o direito a ser reembolsado de IVA deduzido em excesso, facto que ocorreu apenas em 2009.
Por fim o Supremo Tribunal Administrativo veio manter a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, dando razão ao sujeito passivo nesta matéria e anulando assim a liquidação adicional de IVA.
Este foi mais um caso de sucesso para o sujeito passivo, revelando ser sempre meritório discutir as regras do jogo junto das altas instâncias, nomeadamente os tribunais superiores, ainda que o custo temporal seja elevado.