Opinião

Cash pooling com entidades não residentes – há ou não sujeição a Imposto do Selo

A gestão centralizada de tesouraria, vulgarmente denominada de cash pooling, consiste numa gestão conjunta de saldos de contas individuais das várias sociedades de um grupo económico, procurando a otimização da liquidez do grupo – i.e., é um modelo de gestão centralizada de excedentes e/ou carências de tesouraria que existam a nível individual, que, na prática, se traduz na concessão ou obtenção de crédito intragrupo. É pacífico que os movimentos efetuados no âmbito de um contrato de cash pooling consubstanciam operações financeiras. Porém, mais controversa é a sujeição destas operações a Imposto do Selo (IS), nomeadamente, quando falamos de financiamentos concedidos por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes. De acordo com a verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), as operações financeiras estão sujeitas a IS, sendo o facto tributável a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão do crédito”.  Por sua vez, o artigo 4.º do Código do IS consagra o princípio da territorialidade, o qual estabelece a competência tributária do Estado português em função do território, e portanto, limita a incidência do imposto aos factos ocorridos em território nacional. Ora, quanto ao crédito concedido e…

A gestão centralizada de tesouraria, vulgarmente denominada de cash pooling, consiste numa gestão conjunta de saldos de contas individuais das várias sociedades de um grupo económico, procurando a otimização da liquidez do grupo – i.e., é um modelo de gestão centralizada de excedentes e/ou carências de tesouraria que existam a nível individual, que, na prática, se traduz na concessão ou obtenção de crédito intragrupo.

É pacífico que os movimentos efetuados no âmbito de um contrato de cash pooling consubstanciam operações financeiras. Porém, mais controversa é a sujeição destas operações a Imposto do Selo (IS), nomeadamente, quando falamos de financiamentos concedidos por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes.

De acordo com a verba 17.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), as operações financeiras estão sujeitas a IS, sendo o facto tributável a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão do crédito”.  Por sua vez, o artigo 4.º do Código do IS consagra o princípio da territorialidade, o qual estabelece a competência tributária do Estado português em função do território, e portanto, limita a incidência do imposto aos factos ocorridos em território nacional.

Ora, quanto ao crédito concedido e utilizado por sociedades residentes em Portugal a sujeição a IS é irrefutável. Também é clara a sujeição a IS do crédito concedido por uma sociedade não residente a uma sociedade portuguesa, uma vez que esta situação se encontra prevista pelo legislador (por força da extensão operada pela alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º).

Pelo contrário, e longe de ser unânime, é a interpretação de que o crédito concedido por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade não residente se encontra no âmbito de incidência do IS. A incerteza advém da própria redação da verba 17.1 da TGIS – “pela utilização do crédito (…), em virtude da concessão de crédito” – que suscita dúvidas relativamente à operação financeira a tributar, se (i) a utilização do crédito, ou (ii) a concessão do crédito.

Esta controvérsia encontra-se bem presente na jurisprudência portuguesa, havendo decisões arbitrais e judiciais que defendem posições contrárias, mormente, que (i) a incidência territorial do IS está vinculada pela utilização do crédito[1], sendo sujeitas a IS apenas as operações em que o mutuário reside em Portugal; ou (ii) que o que releva é a utilização do crédito em virtude da sua concessão e, portanto, o facto tributário é a concessão[2]. A Autoridade Tributária (“AT”) pugna por esta última opção, vertida na Circular n. º 15/2000.

A incerteza não termina(va) aqui, o n.º 2 do artigo 7.º do Código do IS (antes da sua última alteração com a Lei n.º 12/2022, de 27 de junho) estabelecia uma isenção que se aplicava às operações de cash pooling em que os credores fossem não residentes – excluindo, portanto, as operações em que os devedores fossem não residentes – o que resulta(va) numa discriminação devido a potencial violação do princípio da liberdade de capitais e que culminou no reenvio prejudicial[3] para o Tribunal da Justiça da União Europeia.

Há quem considere que o legislador foi claro ao alterar a lei, ou seja, que ao alargar o âmbito da isenção a casos em que o credor seja português e o devedor seja não residente, o legislador colhe a interpretação que a incidência de IS toma por base a concessão do crédito e não a sua utilização, transmutando a norma de incidência e o princípio da territorialidade. Daí resulta que qualquer cash pooling em que uma sociedade portuguesa participe, independentemente de como credora ou devedora, seja sujeito a tributação em sede de IS.

 

A posição que a AT tem vindo a adotar – i.e., incidência de IS sempre que o credor seja residente em território nacional – parece consubstanciar uma interpretação extensiva da lei, uma vez que por forma a alargar o âmbito de aplicação do IS a situações em uma sociedade portuguesa financia uma sociedade não residente, opta por usar o conceito de “concessão” ao invés do conceito de “utilização de crédito”, que é utilizado para as outras situações de financiamento e que se encontra expressamente previsto na lei.

 

[1] Vide Decisão Arbitral CAAD n.º 61/2019-T e n.º 280/2020-T. Vide, também, acórdão do STA n.º 0155/21.0BALSB

[2] Vide Decisão Arbitral CAAD n.º57/2021-T, n.º 279/2020-T e n.º315/2022. Vide, também, acórdão do TCA do Sul 575/03.9 BTLRS.

[3] Processo C-420/23, Faurécia