Seja por razões orçamentais, seja pelas razões excecionais que estiveram na base da sua criação, as quais se teimam em persistir, seja pelo facto de o legislador aparentar ter uma imaginação infindável de situações onde o nascimento e a inclusão de uma contribuição especial “pode fazer sentido”, começa a ser este o “novo normal” do sistema fiscal português.
Uma das contribuições especiais mais polémica e mais mediática, é a que se aplica ao setor energético, a denominada CESE. De facto, esta contribuição tem vindo a ser contestada por parte de alguns players do setor, sendo que a litigância judicial tem vindo a ser um recurso cada vez mais utilizado, dadas as dúvidas jurídicas inerentes à fórmula como a mesma contribuição especial foi determinada e aplicada no nosso ordenamento jurídico-tributário.
De qualquer forma, as referidas contribuições especiais, que se previam temporárias, têm vindo a ser sucessivamente mantidas no nosso sistema fiscal, através da respetiva prorrogação da sua vigência via aprovação da Lei do Orçamento do Estado, tendo sido essa novamente a opção do Governo português através da aprovação recente da Lei do Orçamento do Estado para 2023.
Contudo, o ano de 2022 foi interessante a este nível, pois, por um lado, tivemos o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)a considerar que a Contribuição do Serviço Rodoviário (“CSR”), aprovada através da Lei n.º 55/2007, de 30 de agosto, era incompatível com a Diretiva dos Impostos Especiais de Consumo, e como tal, ilegal, e, ainda, a introdução de mais uma contribuição especial, denominada por contribuição de solidariedade temporária sobre os setores da energia e da distribuição alimentar (comummente designado por “windfall tax”).
Relativamente à CSR, a referida decisão jurisprudencial tem motivado que vários contribuintes tenham vindo a suscitar o reembolso / restituição junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ao longo dos últimos tempos, ainda que em muitos casos o sucesso de tal processo apenas tenho ocorrido na via judicial, o que é manifestamente incompreensível, dada a posição clara assumida pela TJUE nesta matéria. Seria bom que a AT aplicasse o princípio da legalidade neste caso e evitar que os contribuintes tenham de recorrer à via judicial para tão somente aplicar a lei! Ou seja, seria positivo para a confiança do sistema fiscal que a AT deferisse logo na via administrativa as pretensões dos contribuintes nesta matéria, evitando, desta forma, litigâncias desnecessárias com custos de contexto igualmente desnecessários.
No que concerne à “windfall tax”, a qual visa tributar os denominados lucros excessivos de 2022 e 2023, a União Europeia aprovou um Regulamento neste sentido no início do mês de outubro de 2022, o qual apenas visava o setor das empresas energéticas, sendo que a taxa, que se fixava, no mínimo, em 33% sobre os referidos lucros excessivos (i.e. a parte que exceda 20% dos lucros tributáveis face à média dos últimos 4 anos) apenas se aplicaria ao setor do petróleo e do gás. Portugal transpôs o referido Regulamento através da publicação da Lei n. 24-B/2022, de 30 de dezembro, no âmbito da qual, para além do setor do petróleo do gás, a referida contribuição foi igualmente alargada ao setor do retalho alimentar, tendo a taxa sido fixada em 33%. A justificação para a introdução da referida contribuição residia, por um lado, e no que toca ao setor energético, na necessidade de efetuar “uma intervenção de emergência para fazer face aos elevados preços da energia”, e, por outro lado, no que respeita ao setor do retalho alimentar, na necessidade de efetuar “uma intervenção de emergência para fazer face ao fenómeno inflacionista”.
Dirão uns que é uma questão de justiça fiscal, outros que estamos perante uma tributação excessiva, num setor (o energético) já tributado fortemente, quer por via da aplicação da CESE, quer ainda por aplicação da Derrama Estadual aos lucros fiscais acima de 1,5 milhões de Euros, a uma taxa que pode ascender a um máximo de 9%.
Sem querer entrar nos detalhes políticos que subjazem à aplicação deste novo tributo, dir-se-á que pelo menos, e para o ano de 2022, e especificamente no setor do retalho alimentar, pelo facto de este último não ter sido visado pelo aludido Regulamento da União Europeia, que a sua aplicação ao ano de 2022 é, no mínimo, discutível, à luz das disposições constantes da lei fiscal Portuguesa. De facto, já não é a primeira vez que o legislador português opta por fazer alterações legislativas durante a meio de um determinado exercício fiscal, no sentido de criar novas regras de tributação ou mesmo novos tributos adicionais, com efeitos ao início desse mesmo período fiscal, sendo que os tribunais têm vindo consistentemente a negar essa pretensão. Em termos práticos, os tribunais têm vindo a sustentar que a aplicação desses novos tributos apenas poderá ser aplicada prospectivamente, i.e., e neste caso em concreto, apenas para os lucros tributáveis excessivos obtidos após a publicação da lei que os introduziu.
Pelo que fica a questão se neste caso, ou seja, no caso da contribuição de solidariedade aplicável ao setor do retalho alimentar, não se aplicará o mesmo princípio, dado que ao contrário do que sucede na parte relativa ao setor do petróleo e do gás, na qual poder-se-á argumentar que existe um primado do direito comunitário sobre o direito nacional, pois a aplicação da mesma a todo o ano de 2022 foi aí contemplada, o mesmo raciocínio já não se pode aplicar a esta contribuição de solidariedade. É uma questão que fica no ar e que por certo irá ser dirimida, em alguns casos, por recurso à via judicial.
Mais uma vez, fica-se com a sensação que a pressa em legislar acabou por “atropelar” alguns princípios do nosso direito fiscal e, quiçá de direito constitucional, dado estarmos a aplicar um novo tributo de forma retroativa.
Fica apenas um alerta para o que pode aí vir nos próximos tempos!