A regulamentação fiscal introduzida pelo Orçamento do Estado para 2023 é o resultado do crescimento exponencial no mercado dos criptoativos nos últimos anos, que só peca por tardia.
Como se vinha especulando, o Orçamento do Estado de 2023 veio trazer muitas novidades no que respeita ao enquadramento fiscal dos criptoativos. Até então sujeitos a tributação apenas em situações muito particulares (e facilmente ultrapassadas), a intenção do Governo passa agora por enquadrar fiscalmente os rendimentos associados aos criptoativos de forma mais ou menos generalizada.
A primeira e basilar resposta que é dada no âmbito deste Orçamento do Estado é o próprio conceito de criptoativos. Este conceito não se esfuma nas criptomoedas (a sua versão mais comum) abrangendo um espectro bem mais alargado de realidades de ativos definidos para efeitos fiscais como “representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante”.
Para além da introdução de um normativo que vem definir, por exemplo, as situações de sujeição a IRS dos vários tipos de rendimentos decorrentes de criptoativos (p.e., os rendimentos da alienação onerosa de criptoativos ou os rendimentos da sua emissão incluindo a mineração) o Orçamento do Estado para 2023 prevê também a inclusão expressa dos criptoativos no âmbito de incidência do Imposto do Selo.
As transmissões gratuitas de criptoativos passam assim a figurar expressamente no Código do Imposto do Selo como sendo transações sujeitas a este imposto à taxa de 10% (na medida em que se enquadrem nas regras de territorialidade do imposto).
Para este efeito, as regras de territorialidade consideram-se verificadas quando os criptoativos estão depositados em instituições com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, ou, não se tratando de criptoativos depositados em território nacional, quando o autor da transmissão tenha domicílio em território nacional (nas sucessões por morte) ou quando o beneficiário tenha domicílio em território nacional (nas restantes transmissões gratuitas).
Em suma, a transmissão gratuita de criptoativos (vulgo “doação”) deverá ficar sujeita às normas de tributação hoje aplicáveis à transmissão gratuita da maioria dos ativos, sendo-lhes também aplicáveis as isenções deste Imposto nos moldes gerais, i.e., quando os beneficiários das transmissões gratuitas sejam o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes.
Por outro lado, as comissões cobradas pela prestação de serviços de criptoativos passam também a figurar na Tabela Geral de Imposto do Selo (na sua verba n.º 30). Estão sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%, as comissões e contraprestações cobradas por ou com intermediação de prestadores de serviços de criptoativos, em linha com o enquadramento conferido até então às comissões e serviços de intermediação nas restantes transações financeiras.
O Imposto de Selo de 4% sobre as comissões de intermediação será devido sempre que (a) o prestador de serviços de criptoativos ou (b) o cliente desses serviços, sejam domiciliados em território nacional. O encargo do imposto, e em linha com a mecânico deste imposto, deverá recair sobre o beneficiário dos prestadores de serviços de criptoativos (i.e., o cliente).
A introdução deste normativo parece ter como propósito a adoção de um enquadramento fiscal para as operações com criptoativos idêntico ao que se encontra previsto por referência às operações realizadas por ou com intermediação de instituições financeiras, no entanto o wording utilizado na sua redação (i.e., imposto do selo as comissões e contraprestações cobradas “por ou com” intermediação de prestadores de serviços de criptoativos) parece abranger todas as comissões cobradas no âmbito da prestação de serviços de criptoativos, independentemente do destinatário dessas comissões (i.e., independentemente de se tratar de uma instituição financeira ou não).
No momento em que começam (finalmente) a surgir desenvolvimentos internacionais em matéria de tributação de criptoativos (nomeadamente o Regulamento que estabelece um quadro europeu para os mercados de criptoativos – Regulamento MiCA – recentemente aprovado pelo Conselho Europeu), Portugal dá também um primeiro passo na regulamentação fiscal deste tipo de ativos cujas transações são cada vez mais relevantes, quer em termos de frequência quer em termos de valor, tentando preencher a lacuna na legislação que colocava Portugal no mapa de jurisdições crypto-friendly.