Opinião

Discriminação no regime fiscal dos OIC confirmada por acórdão uniformizador de jurisprudência – para quando uma alteração legislativa?

No dia 26 de fevereiro de 2024 foi publicado um acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”)[1] onde esta instância concluiu que o artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), que estabelece o regime aplicável a Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) relativo à livre circulação de capitais. De acordo com este regime fiscal especial, os rendimentos de capitais, prediais ou mais-valias não são considerados para efeitos da determinação do lucro tributável deste tipo de organismos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (sublinhado nosso). Em suma, ao circunscrever o âmbito de aplicação a entidades “que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, a lei portuguesa exclui as entidades equiparáveis que, não obstante também operem em território nacional, se tenham constituído segundo a legislação de um outro Estado-Membro. Desta forma, o normativo português cria uma diferenciação entre entidades, tendo por base o critério da residência, que como tem vindo a ser considerado por parte da jurisprudência, consubstancia uma discriminação[2]. De salientar que para aferir da existência de uma discriminação têm de estar em análise situações comparáveis…

No dia 26 de fevereiro de 2024 foi publicado um acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”)[1] onde esta instância concluiu que o artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), que estabelece o regime aplicável a Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) relativo à livre circulação de capitais.

De acordo com este regime fiscal especial, os rendimentos de capitais, prediais ou mais-valias não são considerados para efeitos da determinação do lucro tributável deste tipo de organismos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (sublinhado nosso).

Em suma, ao circunscrever o âmbito de aplicação a entidades “que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, a lei portuguesa exclui as entidades equiparáveis que, não obstante também operem em território nacional, se tenham constituído segundo a legislação de um outro Estado-Membro. Desta forma, o normativo português cria uma diferenciação entre entidades, tendo por base o critério da residência, que como tem vindo a ser considerado por parte da jurisprudência, consubstancia uma discriminação[2].

De salientar que para aferir da existência de uma discriminação têm de estar em análise situações comparáveis em confronto. No caso em apreço, o acórdão uniformizador aborda dois casos relativos à tributação em Portugal de dois fundos alemães idênticos, ou seja, geridos pela mesma entidade gestora, com o mesmo domicílio, mesmo perfil de investidores e ambos sujeitos à mesma legislação alemã. Ambos os fundos pediram a anulação da retenção na fonte de IRC, efetuada em Portugal, sobre dividendos distribuídos, com fundamento na sua desconformidade com o TFUE, tendo obtido respostas divergentes.

Face à natureza da questão controvertida, este tema foi alvo de reenvio prejudicial para o TJUE[3], que concluiu (em 2019) que a liberdade de circulação de capitais se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que sujeite a tributação, através de retenção na fonte, os dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a um OIC não residente, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente e constituído ao abrigo da lei portuguesa estão isentos dessa tributação.

Em outras palavras, o TJUE considerou que o regime português dos OIC não respeita o direito europeu, uma vez que a diferenciação no tratamento fiscal reside num único fator: a residência do titular do rendimento. O acórdão uniformizador do STA veio consagrar esta decisão no panorama interno, concluindo pela incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com a liberdade de circulação de capitais estabelecida no TFUE.

Ora, caso não seja apresentada qualquer justificação para este tratamento discriminatório, tratando-se de uma liberdade fundamental do mercado interno, a mesma goza de primazia normativa sobre o direito interno, e, portanto, cabe ao poder legislativo tomar medidas que assegurem a sua efetividade.

Não obstante este desfecho dado pelo TJUE e agora pelo acórdão uniformizador do STA ser há muito esperado, é de notar que a lei necessita ser alterada por forma a suprir a discriminação patente no regime fiscal português. Cumpre agora saber qual será a posição do legislador em face destas decisões – aguardamos novidades.

 

 

[1]  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2024, de 26 de fevereiro

[2] A discriminação traduz-se na violação do princípio da igualdade. Num contexto tributário, estamos perante um caso de discriminação quando existe um tratamento diferenciado (menos favorável) de um sujeito passivo face a outro, não obstante estarem nas mesmas circunstâncias.

[3] Processo C-545/19: Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD) (Portugal) em 17 de julho de 2019 – ALLIANZGI-FONDS AEVN/Autoridade Tributária e Aduaneira