Opinião

Empresas familiares – Alguns aspetos a focar durante e no pós-pandemia

Embora a pandemia esteja a colocar um conjunto de dificuldades e desafios para toda a comunidade, e para estas empresas em particular, também constitui uma oportunidade única para os líderes das empresas familiares refletirem e fazerem uma avaliação dos seus modelos de negócio, questionarem a sua sustentabilidade operacional e melhorarem ou formalizarem as diversas estruturas de governação. Este processo certamente que determinará alterações e ajustamentos que assegurarão a sustentabilidade atual e futura destes negócios.  Neste âmbito, existem um conjunto de áreas e aspetos que, entre outros, poderão ser prioritários para os líderes das empresas familiares. 1. Sustentabilidade e resiliência A sustentabilidade, resiliência e resposta inovadora a períodos de disrupção económica têm sido marcas de diversas empresas familiares de sucesso.  Num ambiente de negócios em rápida mudança, com novas tecnologias e tendência de globalização que obrigam as empresas a adaptar regularmente as suas operações, é cada vez mais importante haver uma consciência sobre quais são os fatores que tornam um negócio familiar resiliente. Uma das vantagens de muitos negócios familiares é a capacidade de responder rapidamente a crises.  Esta pandemia destacou a importância da flexibilidade, com, por exemplo, muitas empresas a serem obrigadas a encerrar a totalidade ou algumas das suas…

Embora a pandemia esteja a colocar um conjunto de dificuldades e desafios para toda a comunidade, e para estas empresas em particular, também constitui uma oportunidade única para os líderes das empresas familiares refletirem e fazerem uma avaliação dos seus modelos de negócio, questionarem a sua sustentabilidade operacional e melhorarem ou formalizarem as diversas estruturas de governação.

Este processo certamente que determinará alterações e ajustamentos que assegurarão a sustentabilidade atual e futura destes negócios.  Neste âmbito, existem um conjunto de áreas e aspetos que, entre outros, poderão ser prioritários para os líderes das empresas familiares.

1. Sustentabilidade e resiliência

A sustentabilidade, resiliência e resposta inovadora a períodos de disrupção económica têm sido marcas de diversas empresas familiares de sucesso.  Num ambiente de negócios em rápida mudança, com novas tecnologias e tendência de globalização que obrigam as empresas a adaptar regularmente as suas operações, é cada vez mais importante haver uma consciência sobre quais são os fatores que tornam um negócio familiar resiliente.

Uma das vantagens de muitos negócios familiares é a capacidade de responder rapidamente a crises.  Esta pandemia destacou a importância da flexibilidade, com, por exemplo, muitas empresas a serem obrigadas a encerrar a totalidade ou algumas das suas operações quase de um dia para o outro.  Neste contexto, a capacidade de mudar com sucesso para o trabalho remoto tem sido fundamental para a sobrevivência durante este período fortemente marcado pela incerteza.

As questões de governação societária e da respetiva estrutura organizacional têm tradicionalmente apresentado desafios a algumas empresas familiares, em resultado das dinâmicas associadas aos relacionamentos familiares. As empresas e famílias que têm modelos de governação adequados são habitualmente as que se adaptam mais rapidamente em períodos de crise.

A identificação de um modelo de negócio que permita agilidade e adaptação é igualmente fundamental, a par do planeamento estratégico, para o sucesso das empresas familiares, tendo em atenção os compromissos que habitualmente existem de atingir objetivos a longo prazo.

Paralelamente, a capacidade de uma empresa para atrair e reter talento é, muitas vezes, um bom indicador da sua resiliência. Em geral, as empresas familiares têm mais sucesso na retenção de talento do que as restantes. Uma cultura que ajude a impulsionar um baixo nível de rotação de pessoas é benéfica durante um período de crise, quando o compromisso dos colaboradores é fundamental.

2. A importância do planeamento da sucessão

O planeamento de sucessão é fundamental para o sucesso e continuidade de qualquer negócio familiar.

Um equívoco comum nas empresas familiares é que o planeamento da sucessão só é determinado por eventos específicos da própria vivência familiar. Na realidade, tal como sucede em todas as empresas, as empresas familiares encontram-se num constante estado de mudança e desenvolvimento. Por conseguinte, o planeamento da sucessão deve ser um tema recorrente ao longo de todo o ciclo de vida da empresa.

O planeamento de longo prazo e a educação e formação são componentes centrais em qualquer plano de sucessão. Para que a gestão e a propriedade do negócio familiar sejam transmitidas às gerações mais novas, estas precisam de tempo para desenvolver as competências e experiência necessárias, bem como um interesse e paixão pelo negócio que lhes permitam partilhar os objetivos a longo prazo da família.

Os líderes das empresas familiares que estão a preparar planos de sucessão devem planear, entre outros, os seguintes aspetos: criação de estruturas que separem o património pessoal e o património empresarial (a família é tradicionalmente mais avessa ao risco do que deverá ser o negócio familiar); assegurar que essas estruturas permitem, de um ponto de vista legal e fiscal, um adequado processo de sucessão de liderança e gestão do risco; avaliar a integração de membros não pertencentes à família nas estruturas de governação; criação de oportunidades de desenvolvimento na empresa familiar para membros da família de diferentes gerações.

3. Preparação das gerações seguintes

As empresas familiares podem tornar-se vulneráveis durante processos de transição de liderança, em resultado, muitas vezes, de existir um conflito entre uma vontade de manter e respeitar algumas tradições familiares e de negócio e de, por outro lado, existir uma necessidade de adaptar e fazer evoluir o negócio em resposta a um ambiente de constante mudança.

As gerações mais novas podem ter uma visão diferente para o futuro da empresa, que, muitas vezes, passa pela utilização de novas tecnologias, pelo alargamento do leque de serviços da empresa e pela alteração do modelo de negócio (v.g., estratégias de digitalização) ou pela expansão para novos mercados. À medida que as empresas continuam a responder à pandemia, existe uma oportunidade para explorar estas possibilidades e permitir que a próxima geração ganhe experiência de gestão de crises, passando a estar, dessa forma, preparada caso surja uma situação semelhante no futuro.

Neste âmbito, se os líderes das empresas familiares trouxerem as gerações seguintes para os negócios, estão a fomentar e permitir que essa geração aporte novas ideias e competências, o que poderá fazer a diferença no contexto atual.  Paralelamente, poderá ser avaliada a possibilidade de convidar membros da família mais jovens para os próprios conselhos de administração ou outros cargos estratégicos, envolvendo-os na tomada de decisões e comunicação para que possam desenvolver competências e capacidade de afirmação junto de todos os stakeholders.

4. Impacto social

As empresas familiares estão a focar-se cada vez mais no seu impacto social e ambiental. Desde a forma como tratam os seus colaboradores durante uma situação de crise como a presente até às medidas que tomam para apoiar as suas comunidades locais, as empresas familiares de sucesso estão a colocar um enorme foco na cultura, no propósito e nos valores que estão subjacentes às respetivas operações e estratégia.

Estabelecer objetivos, não apenas quanto à esfera familiar imediata mas quanto às comunidades em que se inserem as empresas familiares, pode, muitas vezes, ajudar a proporcionar às famílias um foco e propósito claro quanto à forma como querem usar a sua riqueza, especialmente quando novos líderes e novas gerações começam a assumir a responsabilidade pelos negócios. 

O crescimento sustentável do negócio familiar, em paralelo com a assunção de responsabilidades com a comunidade através de compromissos filantrópicos e sociais, deveria ser um foco fundamental para os líderes das empresas familiares, os quais deverão ter em consideração que, atualmente, existe uma tendência para uma atenção acrescida sobre impacto social da empresa, quer por parte dos seus clientes, quer por parte dos seus colaboradores.

A corroborar esta preocupação existem vários estudos, efetuados ainda antes da pandemia, que demonstraram que uma percentagem muito significativa de colaboradores optaria por trabalhar numa empresa socialmente responsável, mesmo que os salários fossem um pouco mais baixos.  Paralelamente, 33% dos consumidores já procuravam marcas socialmente responsáveis, sendo esta uma tendência que se deverá intensificar no período pós-pandemia.

5. Mobilidade global e residência

A eficácia do trabalho remoto durante a pandemia, determinou um conjunto de consequências na mobilidade e na localização da força de trabalho a nível global.

Quando os confinamentos obrigatórios se iniciaram, os líderes das empresas familiares a nível global ponderaram, numa fase inicial, se iriam residir no país em que a empresa está sediada ou se rapidamente se deslocariam para o estrangeiro para segundas casas antes do encerramento de fronteiras.  O mesmo se aplica a alguns dos colaboradores dessas empresas.  Para aqueles que decidiram trabalhar remotamente a partir do estrangeiro, isso levantou uma multiplicidade de questões em torno dos impostos e potencial obrigação de pagar impostos em várias jurisdições, designadamente pela criação de estabelecimentos estáveis ou pela deslocalização das residências das próprias empresas.

Embora algumas autoridades fiscais e a própria OCDE tenham assumido uma flexibilização temporária das regras em matéria de residência e estabelecimento estável para facilitar o trabalho remoto, ainda não é claro se serão contempladas decisões a longo prazo que protejam os líderes das empresas familiares e os seus colaboradores que trabalhem numa base remota a partir do estrangeiro, existindo também um conjunto de oportunidades do ponto de vista fiscal individual que podem resultar desta deslocalização.  Nesse sentido, este deverá ser um assunto a acompanhar de perto nos próximos meses.

6. Liquidez e financiamento

As empresas familiares são responsáveis por uma grande parte do crescimento económico mundial e, nesse sentido, estão a motivar um crescente interesse por parte de investidores. No entanto, apesar deste forte interesse, o financiamento do crescimento e expansão das empresas familiares é um desafio recorrente para respetivos líderes e acionistas que, no entanto, são muito relutantes em abrir o capital dessas empresas aos mercados de capitais ou a outro tipo de investidores.

Como todas as restantes empresas, as empresas familiares têm de crescer para prosperar e, em alguns casos, para sobreviver. No entanto, existe uma tendência para as famílias se afastarem, em muitos casos, de operações que diluam as respetivas participações nas empresas, havendo uma preferência por concentrar a propriedade dentro da família.

À medida que o clima de negócios continua a evoluir, é essencial que as famílias considerem como fundamental a liquidez, diversificação e robustez do financiamento das empresas, no sentido de enfrentar as difíceis condições económicas que se avizinham.

Paralelamente, e neste âmbito, as empresas familiares continuam a focar-se em: estratégias de mitigação de custos fiscais e ativação de reembolsos de imposto ou utilização eficiente de créditos fiscais; reavaliação da estratégia de procurement; renegociações de contratos com fornecedores e de condições de crédito e pagamentos; estratégias de comunicação no sentido de aumentar a confiança dos diversos stakeholders com impacto nos diversos processos de negociação que possam ter lugar.

Em conclusão, as empresas familiares estão em constante evolução e adaptação e, claramente, as crises são eventos que devem suscitar processos de reflexão.  Os aspetos anteriormente mencionados são alguns daqueles que podem ser considerados no âmbito da pandemia atual.  As famílias e os líderes das empresas familiares devem aproveitar estes momentos para fazer um balanço das vertentes prioritárias e para planear o longo prazo, no sentido de garantir que as empresas sejam mais robustas, resilientes e preparadas para navegar em todas as condições do mercado e, ao mesmo tempo, considerar os passos e ações seguintes que deverão ser tomadas pelas próprias famílias.