No processo C-232/22 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), verificamos um litígio entre a Cabot Plastics Belgium SA e a Autoridade Tributária e Aduaneira Belga, no que diz respeito à localização das prestações de serviços em sede de IVA e à correta aplicação do conceito de estabelecimento estável para efeitos de IVA.
A Cabot Plastics Belgium SA através de um acordo celebrado no ano de 2012, prestou serviços, durante os anos de 2014 a 2016, de toll manufacturing (trabalho a feitio) e outros serviços acessórios (armazenamento, embalagem e assistência logística) à Cabot Switzerland GmbH (empresa afiliada), com sede na Suíça, mas que dispõe de um número de registo em IVA na Bélgica.
A Cabot Plastics Belgium SA armazena nas suas instalações matérias-primas adquiridas pela Cabot Switzerland, as quais são depois transformadas em produtos que entram no fabrico de plásticos. Refira-se igualmente que a Cabot Plastics Belgium SA armazena esses produtos antes de serem vendidos pela Cabot Switzerland, a partir da Bélgica, aos seus diferentes clientes no mercado Belga, no mercado Europeu ou para exportação. As prestações de serviços efetuadas pela Cabot Plastics Belgium SA em benefício da Cabot Switzerland constituem a quase totalidade do seu volume de negócios.
No âmbito dos serviços prestados, a Cabot Plastics Belgium SA considerou que no que respeita à localização das prestações de serviços se deveria considerar que as mesmas teriam sido realizadas em território Suíço, não sujeitando estas operações ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos termos do artigo 44.º da Diretiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro.
Na sequência de uma inspeção realizada em 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira Belga considerou que a Cabot Switzerland dispunha de um estabelecimento estável para efeitos de IVA na Bélgica, pelo que, as referidas prestações de serviços deveriam ser consideradas como tendo sido realizadas em território Belga e, logo, sujeitas a IVA na Bélgica, tendo a inspeção resultado na aplicação de liquidações adicionais e coimas à Cabot Plastics Belgium SA.
A Autoridade Tributária Belga sustentou a sua posição, referindo que a Cabot Switzerland teve à sua disposição de forma livre os equipamentos da Cabot Plastics Belgium SA, bem como dos recursos técnicos e humanos da fábrica, do centro de distribuição e dos armazéns cuja propriedade pertence à entidade Belga, e que permitiu à entidade Suíça realizar vendas em território Belga, bem ainda como, beneficiar de uma série de serviços complementares como sejam, a receção de mercadorias, o controlo de qualidade, a preparação das encomendas, o acondicionamento dos produtos acabados e a realização dos inventários.
Por outro lado, considerou ainda que este estabelecimento apresenta um grau suficiente de permanência, devido à celebração do acordo em 2012.
Ao nível da litigância, o caso prolongou-se no tribunal Belga e por motivos de diversa controvérsia deste tipo de temáticas, decidiu este tribunal remeter três questões prejudiciais ao TJUE.
As questões colocadas ao TJUE, pretendem esclarecer, sobre a interpretação do artigo 44.º da Diretiva 2006/112/CE, no que respeita à questão de um sujeito passivo estabelecido fora da União Europeia, i.e. se apresenta um estabelecimento estável para efeitos de IVA no Estado Membro onde receba serviços de um sujeito passivo estabelecido nesse Estado Membro, que faça parte do mesmo grupo e forneça recursos humanos e técnicos exclusivamente para beneficio desse sujeito passivo.
Questiona-se ainda o TJUE, se um sujeito passivo apresenta um estabelecimento estável para efeitos de IVA no Estado Membro do seu fornecedor, se este lhe prestar serviços acessórios que contribuam para a realização de vendas efetuadas pelo sujeito passivo fora da União Europeia mas que dêem lugar a entregas de bens tributáveis no referido Estado Membro.
O Tribunal de Justiça começa por referir que embora os recursos humanos e técnicos em causa não pertençam à Cabot Switzerland, mas sim à Cabot Plastics Belgium, este facto, não exclui a possibilidade de a empresa Suíça deter um estabelecimento estável para efeitos de IVA em território Belga.
Contudo, para a existência de um estabelecimento estável para efeitos de IVA, é necessário que a empresa Suíça tenha acesso imediato e permanente a tais recursos como se a si pertencessem. De facto, e uma vez que o prestador de serviços permanece responsável pelos seus próprios recursos e presta os serviços por sua conta e risco, o contrato de prestação de serviços, ainda que exclusivo, não tem por efeito, em si, que os recursos desse prestador se tornem os do seu cliente.
O Tribunal de Justiça reitera, através da sua jurisprudência, que os mesmos recursos não podem ser utilizados ao mesmo tempo, para prestar e para receber esses mesmos serviços e determina que não é possível distinguir os recursos utilizados pela Cabot Plastics Belgium para os trabalhos por encomenda, dos que são utilizados pela Cabot Switzerland para receber essas prestações na Bélgica, no seu alegado estabelecimento estável.
Por fim, o TJUE conclui que a Cabot Switzerland (i.e. o destinatário fora da UE), não dispõe de um estabelecimento estável para efeitos de IVA, no Estado Membro do seu prestador de serviços (in casu Bélgica), juridicamente distinto desse destinatário, quando não dispõe aí de uma estrutura adequada em termos de recursos humanos e técnicos que possa constituir esse estabelecimento estável, mesmo quando o sujeito prestador de serviços efetua em benefício desse sujeito passivo destinatário, em execução de um compromisso contratual, exclusivo, prestações de serviços por encomenda e uma série de prestações acessórias ou suplementares, contribuindo para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado‑Membro.
Em jeito de conclusão, considerando-se o conceito de estabelecimento estável para efeitos de IVA de difícil interpretação e aplicação, é comum que as Administrações Tributárias dos países da União Europeia, possam, de forma recorrente, determinar erroneamente a existência destes estabelecimentos e aplicar liquidações adicionais de IVA em sede de inspeção. Daí a importância desta decisão do TJUE e de outras anteriores, que permitam aos contribuintes um maior esclarecimento deste tipo de regras de IVA, por forma a que possam enquadrar as suas operações à luz das regras do Sistema do IVA, evitando assim, situações de litigância com as administrações tributárias.