A implementação de estruturas de investimento ibéricas (i.e., que envolvam sociedades ou outro tipo de veículos, localizados em Portugal e Espanha) é bastante frequente, tanto no âmbito de grupos empresariais que desenvolvam atividades comerciais, industriais ou agrícolas, como no caso da gestão de valores mobiliários ou de outros ativos financeiros de que são exemplos os sectores de private equity, asset management ou alternative lending.
A exata estrutura de investimento, incluindo o tipo de veículos (v.g., sociedades, sucursais, fundos e/ou outros tipos de veículos regulados) e os instrumentos de financiamento, depende, de uma multiplicidade de aspetos como o sejam as características do investidor, do investimento, da atividade desenvolvida pelo target, bem como as concretas necessidades de financiamento
Pese embora o bom relacionamento diplomático entre Portugal e Espanha, evidenciado não só pelas relevantes relações comerciais, mas também pelo debate e colaboração em variadas áreas (estando aliás em vigor, entre os dois Estados, o maior programa de cooperação da União Europeia) a verdade é que, não só no que se refere à ligação ferroviária de alta velocidade parece não existir uma plena harmonia e cooperação.
De um ponto de vista estritamente fiscal, a implementação de uma estrutura de investimento ibérica pode envolver variados desafios e um nível de complexidade que não se verifica na implementação de estruturas de investimento que envolvam Portugal e outros Estados da União Europeia (e.g., Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos).
Naturalmente, tais desafios e complexidade, favorecem o investimento, em Portugal e Espanha, através de outras jurisdições europeias (evitando-se a implementação do que poderia ser uma estrutura de investimento ibérica e, resultando, por vezes, em estruturas de investimento triangulares).
Tais desafios e complexidade fiscal podem decorrer de variados fatores. A título de exemplo saliente-se as especificidades das normas constantes da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha “CDT PT-ES” (a qual importa referir, revela-se manifestamente menos competitiva quando comparada com outras convenções celebradas por Portugal e outros Estados da União Europeia) e, bem assim, com a incompatibilidade entre alguns dos veículos à disposição do investidor.
Neste contexto, salientamos alguns aspetos concretos:
— De acordo com o protocolo da CDT PT-ES, a atenuação da dupla tributação dos dividendos, juros e royalties (i.e., por via da limitação da taxa de imposto aplicável, no Estado do qual provêm tais rendimentos – Estado da fonte) e, bem assim, a “isenção” das mais-valias (resultantes da alienação de participações sociais) não será aplicável, caso os referidos rendimentos sejam obtidos por uma sociedade (residente em Portugal ou Espanha, conforme os casos – Estado da residência) em cujo capital participem, direta ou indiretamente, em mais de 50%, sócios não residentes do Estado da residência (exceto nos casos em que a sociedade beneficiária do rendimento exerça, no Estado da residência, atividades comerciais ou industriais substantivas, distintas da simples gestão de valores ou de outros ativos) – reiteramos que a maioria das CDTs celebradas por Portugal não prevê uma norma de natureza semelhante, sendo a CDT PT-ES uma das exceções;
— A CDT PT-ES prevê uma “land rich clause”, nos termos da qual as mais-valias resultantes da alienação de participações socias no capital de sociedades cujo ativo seja constituído, direta ou indiretamente, em mais de 50% por bens imobiliários podem ser tributadas no Estado em que estiverem situados os bens imobiliários – refira-se que nem todas as CDTs celebradas por Portugal prevêm uma norma de natureza semelhante;
— Relativamente à “isenção” sobre as mais-valias, cumpre ainda salientar que, nos termos da CDT PT-ES, tal “isenção” não é aplicável, às mais-valias resultantes da alienação de participações sociais – i.e., quando o alienante, só ou em conjunto com pessoas associadas, tenha detido, direta ou indiretamente, em qualquer momento durante o período de 12 meses que precede a alienação, pelo menos 25% do capital (sem prejuízo da eventual possibilidade de aplicação de isenções previstas na lei interna dos Estados);
— Quanto à incompatibilidade entre veículos à disposição do investidor, salientamos as normas de dispersão do capital social a que se encontram sujeitas as recentes Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária “SIGIs” e a falta de uma previsão legal que possibilite a detenção de uma participação de 100% do capital social de uma SIGI por uma sociedade que, por sua vez, já esteja sujeita a a requisitos de dispersão de capital semelhantes e seja residente noutro Estado-Membro – v.g., em Espanha através de uma SOCIMI. Pese embora possa haver alternativas que permitam obter um resultado semelhante, as mesmas ainda não estão totalmente sedimentadas e isenta de dúvidas.
Em suma, as especificidades das normas fiscais aplicáveis a uma estrutura de investimento ibérica, reforçam a importância de uma rigorosa análise prévia por forma a acautelar impactos fiscais menos evidentes aquando da análise financeira de um determinado projeto e assegurar as yields esperadas.
Tendo presente a especial relação entre os dois Estados, seria expectável um grau de dinamização e cooperação transfronteiriça mais elevado em matérias associadas ao direito fiscal, recorrendo, também, à compatibilização de algumas normas por forma a não desincentivar a implementação de estruturas ibéricas.