Opinião

Inspeções de Preços de Transferência em Portugal: Tendências

Da análise de algumas decisões judiciais, verifica-se um foco das equipas de inspeção no escrutínio de operações financeiras intragrupo e na análise dos estudos de comparabilidade de preços de transferência apresentados pelos contribuintes. Que desafios enfrentam as empresas e como se podem preparar para evitar riscos?

Os preços de transferência continuam a ser uma das áreas mais desafiadoras e alvo de escrutínio por parte das autoridades fiscais. Por um lado, temos assistido a recentes alterações e desafios regulamentares (regras de reporte e transparência de informação fiscal dos grupos multinacionais, existência de mecanismos de troca de informação entre as diversas jurisdições, implementação de requisitos de níveis de tributação mínimos no âmbito das regras do Pilar 2). Por outro, o objetivo de garantir uma tributação justa é, sem dúvida, prioritário para as diferentes equipas de inspeção, pelo que os Grupos Multinacionais e os respetivos fluxos intragrupo estão, certamente, na “mira” destas últimas.

É neste contexto que importa perceber a atuação da Autoridade Tributária no que diz respeito à matéria de preços de transferência, nomeadamente através da análise de algumas decisões recentes do Centro de Arbitragem Administrativa.

Assim verificam-se como principais tendências:

  1. Foco nas operações financeiras intragrupo e análise da paridade de mercado dos respetivos termos e condições definidos entre as partes relacionadas.Efetivamente tem-se assistido a uma incidência, por parte das equipas de inspeção, na análise dos termos e condições acordados em financiamentos intragrupo. Este escrutínio passa, em grande parte, por desafiar os estudos de comparabilidade apresentados pelos contribuintes, existindo uma tendência por parte das equipas de inspeção em desafiar os estudos de comparáveis externos apresentados pelos contribuintes, quer através da argumentação da existência de outras operações financeiras realizadas pelo sujeito passivo com instituições financeiras independentes sucetiveis de consitituirem um referencia de mercado quer ainda por, aceitando estudos de comparáveis externos, desafiar os critérios de comparabilidade desses mesmos estudos.
  2. Maior escrutínio em operações cujos preços/margens intragrupo se posicionam nos limites extremos dos intervalos intragrupo. É notória uma abordagem muito mais incisiva por parte das equipas de inspeção na análise detalhada aos comparáveis apresentados pelos sujeitos passivos nas situações em que são apresentados estudos de benchmarking com conclusões em que os resultados intragrupo se situam dentro dos valores mínimos e máximos dos intervalos estatísticos, mas fora dos respetivos quartis. Embora a lei seja omissa a este respeito, e já existam decisões jurisprudenciais que apontam no sentido que o mínimo e o máximo do intervalo estatístico de referência são, de facto, enquadráveis no conceito de “intervalo de plena concorrência”, verifica-se que este escrutínio passa por, ou desafiar o estudo e os comparáveis apresentados pelo contribuinte ou por desafiar o próprio cálculo do preço/margem intragrupo.

Assim, existem alguns takeways que devem ser considerados. Em primeiro lugar, e no que concerne à análise dos financiamentos intragrupo, parece existir uma desconsideração de estudos de preços de transferência elaborados com base na informação estatística publicada pelos Bancos Centrais (nomeadamente, Banco Portugal), pelo que deverá existir alguma cautela na adopção deste tipo de abordagem.

Por outro lado, impõe-se a preparação de estudos de comparáveis robustos, atendendo sempre ao critério da razoabilidade em termos da exigência colocada a este nível nos contribuintes, e em linha com as regras de preços de transferência em vigor em Portugal, a par de uma forte monitorização da política de pricing intragrupo face aos resultados dos estudos de benchmarking por forma a minimizar o risco de exposição e de litígio com a Autoridade Tributária.

De facto, a “tributação justa” – entenda-se arrecadar receita fiscal – está na ordem do dia e Portugal não é exceção.