Muito recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) pronunciou-se sobre as disposições fiscais portuguesas aplicáveis à distribuição de lucros por sociedades portuguesas a Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) não residentes em Portugal (Caso C 545/19, de 17 de março de 2022), as quais determinavam, no caso concreto, a aplicação de uma taxa de retenção na fonte de 25%. Entendeu, e bem, o TJUE que, caso aqueles OIC fossem estabelecidos em Portugal, os mesmos não seriam sujeitos a tributação sobre os rendimentos em causa, concluindo assim pelo cariz discriminatório da legislação portuguesa e pela sua incompatibilidade com o Direito Europeu, na medida em que viola a liberdade dos agentes económicos de elegerem livremente a forma como querem investir os seus capitais, a qual é primordialmente protegida pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Em jeito de nota de rodapé, recorde-se que uma das características basilares do regime fiscal aplicável aos OIC estabelecidos em Portugal é a isenção da quase totalidade dos seus rendimentos, incluindo rendimentos prediais, de capitais (onde se inserem os lucros distribuídos por sociedades por si participadas) ou mais-valias. Já os OIC estrangeiros que obtenham rendimentos semelhantes aos referidos acima, não beneficiam de semelhante isenção sendo, regra geral, sujeitos a tributação em Portugal à taxa de 25%, salvo quando seja aplicável uma isenção ou aquela taxa possa ser reduzida ao abrigo de uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação. Ora, foi comparando o tratamento fiscal dos dividendos recebidos por OIC portugueses (isentos de tributação ao abrigo do regime fiscal dos OIC) e por OIC estrangeiros (em regra sujeitos a tributação) que o TJUE concluiu pela incompatibilidade da legislação portuguesa, por discriminatória, com o Direito da União Europeia. Esta posição tinha já vindo aliás a ser defendida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em jurisprudência recente.
Atendendo aos pontos-chave da decisão do TJUE, parece-nos razoável retirar as seguintes conclusões: (i) os rendimentos prediais (tipicamente, rendas do arrendamento de imóveis, bem como a prestação de serviços de cedência de espaços e prestações conexas ao imóvel), de capitais (sobretudo juros e dividendos) e mais-valias (designadamente as realizadas com a venda de imóveis ou de valores mobiliários) de fonte portuguesa que sejam obtidos por OIC não residentes não deverão ser sujeitos a qualquer tributação em Portugal e (ii) a tributação de 10% atualmente imposta sobre os lucros distribuídos por um OIC a um seu acionista estrangeiro que assuma a mesma forma jurídica de OIC (em termos semelhantes à prevista no ordenamento jurídico português) ou sobre mais-valias realizadas com a sua participação no veículo português deverá ser afastada.
Caso tenham sido efetuadas retenções ou imposta tributação nestes casos, há então que ponderar o custo-benefício do caminho da litigância, que, em muitos dos casos tem mostrado um balanço final muito positivo.
Ainda na senda das conclusões acima e invocando uma decisão relativamente recente do CAAD, parece-nos igualmente defensável que um OIC não residente possa fazer-se valer das isenções acima caso invista em Portugal através de uma sucursal. Com efeito, e suportando a sua decisão no Direito Europeu e no argumento da discriminação já invocado pelo TJUE, o CAAD foi neste caso perentório em defender que o rendimento (no caso, rendimentos prediais) gerados pela sucursal de um OIC estrangeiro deveriam igualmente beneficiar da isenção prevista na lei para os OIC portugueses, sob pena de uma aplicação inadmissivelmente discriminatória da legislação portuguesa. Ainda que não diretamente abordado pelo CAAD na sua decisão, esta posição é especialmente relevante na medida em que, não distribuindo uma sucursal lucros ou dividendos mas antes incorporando os seus resultados nos da sua sede, parece-nos ser igualmente defensável não haver lugar neste caso à tributação de 10% que referimos atrás e incidente sobre os lucros distribuídos por um OIC português a um acionista ou participante estrangeiro, o que torna especialmente interessante esta estrutura de investimento.
Em face do exposto, caberá agora ao legislador harmonizar as disposições fiscais relevantes com o Direito Europeu, sob pena de continuar a sentar-se no banco dos réus da onda de litigância que tem oposto contribuintes e Estado.
Até lá, havendo tempo e dinheiro, continuarão a acumular-se reclamações e impugnações e, mantendo-se a tendência a que temos assistido, reembolsos de imposto aos investidores. Caso para dizer que a litigância compensa.