De modo sucinto, a AT vem agora reconhecer que a International Financial Reporting Standard 16 (“IFRS 16”) – Locações – obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2019, nomeadamente para as entidades cotadas deverá ter relevância no plano fiscal para efeitos de determinação do resultado tributável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”). Curiosamente, uma opinião contrária a algumas fichas doutrinárias emitidas recentemente sobre esta temática por parte da AT no âmbito de respostas a pedidos de informação vinculativa formuladas por alguns contribuintes, as quais apontavam de forma expressa para uma desconsideração integral, para efeitos fiscais, dos impactos contabilísticos decorrentes da adoção desta norma contabilística.
Neste contexto, a referida Circular clarifica entre outros pontos, o enquadramento fiscal em matéria de: i) determinação do período de vida útil dos ativos sob direito de uso, as quais devem atender às taxas das tabelas anexas ao Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 previstas para os ativos subjacentes ao direito de uso; ii) tratamento das variações patrimoniais, decorrentes da aplicação do regime transitório previsto na IFRS 16, a considerar para efeitos de apuramento do lucro tributável; iii) aplicação, somente a locações financeiras, do regime do reinvestimento de valores de realização previsto no Código do IRC; iv) inclusão do gasto de juros relativos ao passivo de locação no conceito de gastos de financiamento para efeitos da aplicação do regime previsto no art.º 67.º do Código do IRC; e v) sujeição dos gastos relacionados com contratos de locação, incluindo juros, que tenham como ativos subjacentes viaturas, a tributação autónoma nos termos do artigo n.º 88 do Código do IRC.
Naturalmente, que é de saudar a inflexão da AT face às posições anteriormente assumidas (e acima mencionadas) em sede de informações vinculativas solicitadas pelos contribuintes que determinavam que a IFRS 16 não deveria ter qualquer relevância fiscal em sede de IRC, as quais, refira-se, nunca foram publicadas no website da AT.
Não podemos, porém, deixar de lamentar o facto de a divulgação desta Circular ocorrer após o término do prazo para submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2019 (“DM22 2019”) por parte das Empresas, tanto mais num contexto de alargamento excecional do prazo para cumprimento (que veio a terminar no passado dia 3 de agosto de 2020) desta obrigação declarativa, onde o conteúdo desta informação teria uma relevância enorme.
Cabe agora aos contribuintes avaliar a necessidade de proceder à substituição da DM22 2019, caso a posição adotada no apuramento do resultado tributável não coincida com a posição da Circular, bem como analisar os impactos contabilísticos subjacentes aos impostos diferidos que tiveram que ser registados face ao tratamento anteriormente defendido pela AT.
Salientamos que permanece por saber se será semelhante a posição da AT sobre os impactos fiscais de outras IFRS, como sejam a IFRS 9 – Instrumentos Financeiros com influência, designadamente, no cálculo de perdas por imparidade de créditos ou a IFRS 15 – Rédito de contratos com clientes, com impacto no momento do reconhecimento do rédito de vendas e na determinação do resultado tributável.
Uma nota final para referir que a relevância da IFRS 16 pode ter impactos a nível de outros tributos, como seja na determinação da base de cálculo da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético.
Entendemos que o processo de preparação do próximo Orçamento do Estado é uma oportunidade ideal para eliminar definitivamente quaisquer dúvidas sobre os impactos fiscais de todas as IFRS, não apenas da IFRS 16. Será mais uma peça a encaixar num puzzle sempre complexo como é o da fiscalidade.