Os desafios que nos têm sido impostos requerem uma capacidade de resposta assinalável, que tem de ser necessariamente balanceada com a consciência e serenidade possíveis por parte de todos os elementos envolvidos na tomada de decisões.
Foi neste contexto desafiante que, de entre muitas outras medidas extraordinárias de carácter social e económico implementadas recentemente, o Governo Português desenvolveu um conjunto de medidas excecionais de apoio à manutenção de postos de trabalho, nomeadamente o regime de Lay Off Simplificado. Desde a primeira publicação deste regime, efetuada nos termos da Portaria n.º 71-A/2020, de 15 de março, e desde então alvo de diversas alterações e, inclusive, de republicação nos termos do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, houve uma clara intenção do legislador em aproximar este regime excecional aos termos gerais de aplicação de um processo tradicional de lay off, de acordo com as disposições previstas no Código do Trabalho, tornando-o numa versão desburocratizada e de mais fácil aplicação deste último, adaptada em resposta às condições extraordinárias impostas pelo surto da doença COVID-19.
Acontece que, desde a sua publicação, a aplicação do regime de Lay Off Simplificado não tem sido pacífica, tendo suscitado diversas questões e aos mais diferentes níveis, seja em matéria de interpretação legislativa, seja numa vertente de aplicação prática. Muito provavelmente motivado pelos desafios impostos pelo período excecional que atravessamos, os esclarecimentos providenciados pelas autoridades competentes têm sido de cariz informal, publicados através de FAQ e instruções práticas de cumprimento de obrigações formais, e não sob a forma de qualquer documento formal e com poder vinculativo. Mais ainda, os respetivos entendimentos defendidos têm sofrido constantes alterações, evoluindo sob a forma de uma verdadeira reação a temas e problemáticas que não foram inicialmente consideradas, pelo menos na sua plenitude, aquando da elaboração do regime.
É neste âmbito que surge o mais recente tema relacionado com a aplicação do regime de Lay Off Simplificado: o da inclusão (ou não) de comissões no cálculo da compensação retributiva.
Este é um tema que afeta com especial preponderância entidades empregadoras que operam no setor do comércio a retalho, em que os respetivos funcionários dos departamentos comerciais e/ou de vendas recebem habitualmente, por conta do seu trabalho, para além do salário base, um valor de comissões com regularidade mensal. Aqui está em causa não só a comparticipação da Segurança Social a pagar às entidades empregadoras no âmbito da compensação devida pelas entidades empregadoras aos trabalhadores, mas também questões de proteção social dos funcionários e das respetivas famílias, na medida em que, em muitos casos, estas comissões correspondem a uma parte muito significativa (por vezes a maior parte) da retribuição mensal, pelo que uma exclusão taxativa desta categoria de retribuição para efeitos de aplicação do regime de Lay Off Simplificado poderia, também, ter sérias implicações ao nível do respetivo rendimento disponível das famílias.
A lei que regula o regime do Lay Off Simplificado utiliza o conceito de “retribuição normal ilíquida”, aproximando-se das disposições previstas no Código do Trabalho. Acresce que, segundo esclarecimentos emitidos pela própria Segurança Social, o conceito de “retribuição normal” é mais abrangente do que o de retribuição base e, inclusive, mais abrangente do que o que se retira do artigo 262.º do mesmo Código (retribuição base e diuturnidades), envolvendo a retribuição base, as diuturnidades e todas as demais prestações regulares e periódicas inerentes à prestação de trabalho, que constem da folha de vencimento. Assim, e em concordância, faria sentido que as retribuições a incluir para este efeito fossem aquelas que seriam também consideradas no âmbito de um processo normal de lay off, nos termos previstos no Código do Trabalho, ou seja, todas as prestações que o trabalhador recebe com regularidade e periodicidade, como é o caso de algumas comissões. Este é, inclusive, um tema bastante debatido no âmbito da aplicação do regime “tradicional” de lay off, relativamente ao qual já alguns tribunais se pronunciaram no sentido de enquadrar como remunerações com natureza regular e periódica as comissões pagas mensalmente juntamente com a remuneração base dos trabalhadores, havendo também abundante jurisprudência que atribui natureza retributiva às comissões resultantes de vendas.
Contudo, segundo notícias recentes publicadas nos meios de comunicação social, questionado sobre a abrangência do conceito da “remuneração mensal ilíquida” para efeitos de aplicação do regime de Lay Off Simplificado, o gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social terá esclarecido que nem do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, nem das várias FAQ que foram sendo publicadas pelas autoridades competentes, se pode retirar que as comissões – por natureza incertas e variáveis – integram a remuneração normal ilíquida. Face à incerteza sobre o enquadramento acima exposto, foram várias as iniciativas tomadas por parte de diversas associações e entidades no sentido de contactar o gabinete do Ministério do Trabalho em busca de clarificação sobre o tema em apreço, o que, eventualmente, resultou na publicação da Portaria n.º 94-A/2020, de 16 de abril, que veio conferir substância formal e legal às indicações providenciadas pelas autoridades de Segurança Social, definindo que “(…) o cálculo da compensação retributiva considera as prestações remuneratórias normalmente declaradas para a segurança social e habitualmente recebidas pelo trabalhador, relativas à remuneração base, aos prémios mensais e aos subsídios regulares mensais.” De facto, esta redação não parece mais do que uma formalização das instruções de preenchimento do anexo ao Modelo RC 3056/1-DGSS, publicadas pela Segurança Social, na qual esta indica, nas que as remunerações a considerar serão as com a natureza “P” – Remuneração base, “B” – Prémios mensais e “M” – Subsídio regulares mensais, habitualmente recebidas pelo trabalhador.
Ficamos, assim, numa situação em que as comissões pagas com regularidade periódica mensal e juntamente com a remuneração base dos trabalhadores, que constituem remuneração habitualmente recebida pelo trabalhador, se enquadram naquela que parece ser a génese por detrás do entendimento do legislador e da Segurança Social a respeito das características da retribuição a considerar no cálculo da “remuneração mensal ilíquida”, mas não são taxativamente mencionadas nos esclarecimentos publicados, até ao momento, pelas autoridades competentes, nem nas referidas disposições da Portaria n.º 94-A/2020, de 16 de abril.
Conclui-se, assim, que, numa altura em as empresas e, sobretudo, as famílias necessitam de estabilidade, se perdeu uma oportunidade para colocar um ponto final na incerteza que circunda este tema. Neste contexto, não é de excluir que, caso as entidades empregadoras optem por incluir comissões de carácter mensal regular no cálculo da “remuneração mensal ilíquida”, esta venha a ser questionada e, eventualmente, corrigida pelas autoridades competentes em sede de uma posterior fiscalização. Nestes casos, dependendo da postura que venha a ser adotada pela Segurança Social, poderá ser necessário às entidades empregadoras recorrer à via judicial para fazer valer a sua posição, facto que não seria, de todo, desejável e poderá ser evitável, pedindo-se, para o efeito, uma decisão cabal por parte das autoridades competentes, que se pede que seja consciente e devidamente ponderada atendendo a natureza excecional que todos estamos a viver.