Opinião

Mais Habitação e menos Alojamento Local – e o IVA?

Após aprovação no Parlamento, o Programa “Mais Habitação” poderá estar muito perto de entrar em vigor. São inúmeras as medidas previstas neste programa que, nas palavras do Governo, pretendem por cobro à crise da habitação em Portugal.   Hoje focar-nos-emos sobre a forma como este pacote restringe a atividade do Alojamentos Locais (AL) e como as medidas nele previstas sobre esta matéria podem ter um impacto financeiro extremamente gravoso para os agentes económicos que tenham já investido neste segmento. Hoje vamos falar do IVA.   Em jeito de resenha, recorde-se que o programa “Mais Habitação” vem, por um lado, suspender a emissão de novos registos de AL (nas modalidades de apartamento e estabelecimento de hospedagem integrado em fração autónoma), excetuando-se o interior e nas Regiões Autónomas e as situações em que o estabelecimento de AL constitua garantia real de empréstimo ainda não liquidado. Por outro, serão reapreciados, em 2030, os registos de AL emitidos antes da entrada em vigor da nova lei, passado estes a ser renováveis por períodos de 5 anos após a primeira reapreciação (se positiva).   Se estas medidas são por si só suficientes para deixar em polvorosa um universo considerável de agentes económicos, empresários e investidores,…

Após aprovação no Parlamento, o Programa “Mais Habitação” poderá estar muito perto de entrar em vigor. São inúmeras as medidas previstas neste programa que, nas palavras do Governo, pretendem por cobro à crise da habitação em Portugal.

 

Hoje focar-nos-emos sobre a forma como este pacote restringe a atividade do Alojamentos Locais (AL) e como as medidas nele previstas sobre esta matéria podem ter um impacto financeiro extremamente gravoso para os agentes económicos que tenham já investido neste segmento. Hoje vamos falar do IVA.

 

Em jeito de resenha, recorde-se que o programa “Mais Habitação” vem, por um lado, suspender a emissão de novos registos de AL (nas modalidades de apartamento e estabelecimento de hospedagem integrado em fração autónoma), excetuando-se o interior e nas Regiões Autónomas e as situações em que o estabelecimento de AL constitua garantia real de empréstimo ainda não liquidado. Por outro, serão reapreciados, em 2030, os registos de AL emitidos antes da entrada em vigor da nova lei, passado estes a ser renováveis por períodos de 5 anos após a primeira reapreciação (se positiva).

 

Se estas medidas são por si só suficientes para deixar em polvorosa um universo considerável de agentes económicos, empresários e investidores, maiores ainda serão as preocupações se escalpelizarmos o impacto que as mesmas terão em matéria de IVA, designadamente no imposto que aqueles terão deduzido e deixado de entregar ao estado. Julgamos que não houve lugar à reflexão merecida quanto aos impactos que as mediáticas medidas em matéria de AL teriam nos atores deste setor, designadamente no plano fiscal.

 

Veja-se o caso de um empreendedor (a que chamaremos Senhor X) que pretende levar a cabo um projeto de investimento no setor do AL. Compra um imóvel com vista à sua reabilitação total ou até mesmo um terreno com vista à construção de um edifício destinado a exploração no âmbito do AL (aproveitando para regenerar uma parte do Município em que decidiu investir). Para o efeito, adquire serviços de construção civil de valores avultados.

 

Considerando que os mesmos estão relacionados com o desenvolvimento de uma atividade tributável (em sede de IVA) a realizar no imóvel, aplicar-se-á a regra da inversão do sujeito passivo, cabendo ao Senhor X a obrigação de autoliquidar o IVA sobre aqueles serviços (e ficando o empreiteiro desonerado de liquidar o IVA nas suas faturas). Pelo mesmo motivo, a autoliquidação será acompanhada pela dedução imediata do imposto, o que resultará num montante de IVA nulo a entregar ao Estado pelo Senhor X. Um detalhe relevante: a dedução do IVA gera para o Senhor X a obrigação de manter o imóvel afeto a uma atividade tributável por um período de 20 anos. Até aqui tudo bem, na medida em que a intenção do Senhor X é precisamente a exploração do imóvel em regime de AL, uma atividade sujeita a IVA.

 

Eis senão quando entra em vigor o chamado Programa “Mais Habitação” e o Senhor X, que se encontra à beira de ver concluído o projeto de construção do seu edifício, vê suspensa a possibilidade de obter o registo do seu estabelecimento de AL, vendo-se, assim, obrigado a reconverter a utilização que pretendia dar ao imóvel para o mercado de arrendamento ou até mesmo à venda dos apartamentos construídos. Pequeno problema: quer o arrendamento, quer a venda de imóveis são, em regra, atividades isentas de IVA. Quer isto dizer que o Senhor X, tendo procedido à dedução do IVA dos serviços de construção civil que adquiriu, o que permitiu que não tivesse de entregar IVA ao Estado ao longo da obra, se vê agora obrigado a devolver ao Estado a totalidade do imposto já deduzido.

 

Ficaria igualmente prejudicado o Senhor X, ainda que em menor escala, caso tivesse conseguido registar o seu estabelecimento de AL antes da entrada em vigor da nova lei mas lhe fosse negada a renovação da mesma, aquando da respetiva “reapreciação” programada para 2030. Neste caso, assumindo o registo do AL em 2023, o Senhor X teria de regularizar parte do imposto deduzido, na proporção do número de anos que faltem para completar o referido período de 20 anos, i.e., 13/20 do IVA que houvesse deduzido ao longo da construção, uma vez que havia conseguido explorar o seu estabelecimento por um período de 7 anos.

 

Ficando por descobrir se este impacto foi simplesmente não previsto pelo legislador ou, se previsto, ignorado, certo é que as novas regras que estão muito perto de entrar em vigor frustram as legítimas expectativas que foram criadas por aqueles que pretenderam investir no setor do AL e que planearam o seu investimento de acordo com um normativo que, de um momento para o outro, é profundamente revisto e cria os constrangimentos que vimos acima. Com estas medidas, o Governo conseguiu trazer para estes empreendedores, como o Senhor X,  o pior dos dois mundos. Por um lado, ficam vedados de exercer a atividade económica para a qual canalizaram o seu investimento e, por outro, vêm-se obrigados a suportar um encargo financeiro de larga monta, decorrente da obrigação de regularização do IVA a favor do Estado.

 

Esperava-se do Governo uma maior sensibilidade para o tema, designadamente prevendo um regime transitório que protegesse aqueles que tivessem já posto em marcha os seus projetos focados em AL, permitindo-lhes reajustar e replanear adequadamente as suas estratégias. Espera-se que haja vontade e disponibilidade por parte do Executivo para corrigir esta situação. De qualquer forma, é recomendável que o Senhor X comece a avaliar as suas alternativas…