Resumidamente, o impacto mais significativo da adoção da IFRS 16, face à sua antecessora Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 17, prende-se com a classificação e o reconhecimento das locações nas demonstrações financeiras dos locatários, eliminando a anterior distinção de tratamento contabilístico existente entre locações operacionais e locações financeiras, passando a existir um único modelo de reconhecimento. Face a esta alteração, no início de um contrato, as entidades devem avaliar se este constitui, ou contém, uma locação e, perante um contrato de locação, o locatário deve reconhecer um ativo sob direito de uso e um passivo da locação.
Ora, depois de assumida a posição de que, para efeitos fiscais, na ausência de normativos que permitam acomodar os procedimentos contabilísticos da IFRS 16, devem ser desconsiderados os impactos contabilísticos da IFRS 16 e “repostos” os efeitos fiscais inerentes ao tratamento contabilístico previsto na Norma Contabilística de Relato Financeiro 9 – Locações (v.g. posição vertida de forma expressa em resposta a pedidos de informação vinculativa formulados por alguns sujeitos passivos), veio agora a AT, através da Circular n.º 7/2020, de 13 de agosto, ao contrário do que seria expectável, inverter a sua opinião, defendendo, agora, publicamente, um entendimento que faz prevalecer o modelo de dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade.
Em concreto, considera que os ativos sob direito de uso, objeto de contratos de locação abrangidos e não isentos do procedimento de registo no ativo introduzido pela aplicação da IFRS 16, são ativos intangíveis sujeitos a deperecimento, sendo que, para efeitos de determinação do valor amortizável, deverão ser excluídos os montantes referentes a pagamentos de locação que revistam a natureza de meras estimativas ou provisões não fiscalmente aceites, entendendo-se como tal, entre outros, a estimativa dos custos de desmantelamento, o valor residual e os custos estimados a título do exercício de uma opção de extensão do período de locação. Este aspeto depende de uma análise casuística das condições contratuais e poderá resultar em diferenças entre a base contabilística e a base fiscal do ativo sob o direito de uso.
Na mensuração subsequente, o método de amortização dos ativos sob direito de uso será o da linha reta e o reconhecimento, para efeitos fiscais, de ganhos ou perdas resultantes dos testes de imparidade deverá observar o disposto no artigo 31.º-B do Código do IRC. A amortização dos ativos sob o direito de uso deverá ser efetuada tendo em consideração as taxas das tabelas I e II constantes do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro de 2009, aplicáveis aos ativos subjacentes.
No que respeita aos contratos sob locação em curso, objeto de alteração de política contabilística por aplicação da IFRS 16, na ausência de norma que afaste ou difira a aceitação para efeitos fiscais das variações patrimoniais positivas ou negativas decorrentes dessa transição, as mesmas concorrem para o resultado tributável nos termos e condições previstos nos artigos 21.º e 24.º do Código do IRC. Contudo, os montantes de variações patrimoniais a considerar para efeitos de apuramento do lucro tributável (decorrentes da aplicação do regime transitório previsto no Apêndice C da IFRS 16) devem corresponder à consideração para este efeito das amortizações fiscais dos ativos sob direito de uso, referentes a períodos anteriores, que resultariam da aplicação da IFRS 16, que não foram considerados para apuramento do lucro tributável nesses períodos.
Finalmente, no que respeita aos juros relativos ao passivo da locação, contabilizados ao abrigo da IFRS 16, subsumem-se no conceito de gastos de financiamento, devendo concorrer para o apuramento da limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos prevista no artigo 67.º do Código do IRC. Por outro lado, os gastos relacionados com contratos de locação abrangidos pela IFRS 16, incluindo os juros sobre o passivo da locação, que tenham como ativo subjacente viaturas previstas no n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC, estão sujeitos a tributação autónoma.
Posto isto, e face aos entendimentos anteriores sobre esta temática, acreditamos que a posição agora assumida pela AT tenha surpreendido grande parte dos contribuintes, podendo, os mais atentos e prudentes, verem-se obrigados a substituir as declarações anuais de rendimento Modelo 22 entregues por referência ao exercício de 2019, por forma a corrigir o lucro tributável em conformidade com a opinião vertida na Circular n.º 7/2020, de 13 de agosto.