O sistema fiscal português é consistentemente considerado um dos menos competitivos da OCDE, colocando Portugal nos últimos lugares da tabela em termos de atratividade fiscal. De facto, Portugal surge como o 5.º pior país da OCDE em termos de competitividade fiscal (34.º lugar de 38 países membros), de acordo com o International Tax Competitiveness Index de 2023[1], divulgado pela americana Tax Foundation, que salienta igualmente a elevada carga fiscal, bem como a complexidade e burocracia excessivas. Num sistema de avaliação que é composto por indicadores representativos das principais tipologias de imposto, para esta classificação contribui significativamente o penúltimo lugar obtido ao nível da tributação dos rendimentos das empresas, apenas atrás da Colômbia, sendo a melhor classificação a obtida ao nível da tributação do património imobiliário (20.º lugar).
As elevadas taxas de tributação do rendimento pessoal e das empresas, bem como do património e consumo, e consequente taxa de esforço por parte dos contribuintes, são dos principais fatores que colocam Portugal no fundo da tabela da competitividade fiscal. Focando-nos na tributação do rendimento das empresas, de acordo com a publicação da OCDE, Corporate Tax Statistics 2023[2], Portugal permanece com uma das taxas estatutárias de IRC mais elevadas do mundo em 2023 (31,5%, incluindo as derramas municipal e estadual), e com a segunda mais elevada da OCDE (atrás da Colômbia) e da UE (a seguir a Malta).
Contudo, quem conhece o funcionamento dos sistemas fiscais sabe que olhar para estes dados de forma isolada poderá ser redutor e até enganador. De facto, Portugal é um dos países que mais aposta em regimes especiais e incentivos fiscais para aumentar a atratividade fiscal, que, quando aplicáveis, permitem uma redução significativa da tributação efetiva, especialmente na esfera das empresas. A título de exemplo, recentemente, Portugal eliminou o prazo de reporte de prejuízos fiscais e introduziu o Incentivo à Capitalização de Empresas, reformou o regime de Patent Box, alargou a vigência de incentivos em Investigação e Desenvolvimento, como é o caso do SIFIDE, e reforçou o papel do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, aumentando a taxa de auxílio e alargando o leque de investimentos elegíveis para o apuramento do crédito fiscal. A estas medidas acrescem ainda diversos regimes especiais de tributação, muitos deles aplicáveis a entidades e pessoas singulares não residentes, que permitem uma tributação mais favorável. Mas será esta estratégia sustentável?
Portugal é um dos países mais atrativos do Mundo enquanto destino de Investimento Direto Estrangeiro (“IDE”). De acordo com o EY Attractiveness Survey Portugal[3], divulgado no passado mês de setembro de 2023, referente ao ano de 2022, Portugal subiu ao 6.º lugar do ranking dos países europeus com mais projetos de IDE anunciados, registando o terceiro maior crescimento da União Europeia (6,7% medido em termos de PIB). Ao mesmo tempo, 73% dos investidores inquiridos responderam ter planos de se estabelecerem ou expandirem operações em Portugal em 2023, sendo que grande parte dos inquiridos espera que Portugal dê passos firmes no sentido de aumentar a atratividade para o investimento no país. Esta posição favorável do nosso país, assenta em três grandes pilares: talento, inovação e sustentabilidade.
Acontece que, quando questionados onde Portugal deveria concentrar os seus esforços para manter a sua posição competitiva na economia global, o apoio às PME e a redução da carga fiscal figuraram no topo das respostas dos investidores, os quais destacam a necessidade de simplificação do sistema tributário e redução da regulamentação e burocracia, por forma a que o país possa competir em termos semelhantes com outras políticas fiscais estrangeiras. Em conclusão, Portugal aparenta ser atrativo para IDE apesar do seu sistema fiscal, e não por força do mesmo!
Ora, por força desta estratégia orientada para incentivos fiscais e regimes especiais de tributação, Portugal não efetua uma revisão substancial do Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”) desde 2014, onde foi introduzida a já longínqua “Reforma do IRC”, que viu um dos seus pilares imediatamente derrubado e nunca reconstruído: a redução gradual da taxa de IRC para 17%. Mais ainda, esperava-se que esta redução fosse acompanhada por uma reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos. Manifestamente, tal não se verificou, mas antes o contrário!
Assim, no quadro do IRC, é tempo de efetuar uma reavaliação do atual modelo de tributação, que poderia começar, desde já, pela análise do papel da Derrama Estadual, tributo originalmente de cariz excecional e temporário, em vigor desde 2010, criado com vista a aumentar a arrecadação fiscal do Estado no seguimento da crise da dívida pública que emergiu do crash financeiro de 2008, e que há muito deixou de servir o seu propósito. Ao mesmo tempo, deverá ser analisado o papel da Tributação Autónoma, que ao longo do tempo tem perdido a sua génese de elemento dissuasor de despesas não essências à atividade económica, para passar a ser uma clara fonte adicional de receita tributária. Isto, só para dar o pontapé de partida…
Ao mesmo tempo, Portugal tem urgentemente de adaptar o seu regime fiscal do IRC às principais tendências das políticas fiscais Europeias e Mundiais, salientando-se, desde já, o possível impacto da implementação do Pilar 2.0 do projeto BEPS (“Base Erosion and Profit Shifting”) da OCDE, com a introdução de uma taxa mínima de tributação efetiva para os grandes grupos multinacionais, que, desde logo, coloca em causa a eficácia de um sistema baseado em incentivos e benefícios fiscais para atrair IDE. Note-se que Portugal já falhou o prazo para transpor a diretiva europeia que visa implementar este regime e a Comissão Europeia instaurou processos de infração contra o Estado português, pelo que é da máxima importância o Governo dar, também, resposta a este tema.
Posto isto, face à realidade descrita e num contexto de eleição de um novo Governo, é da maior importância que os programas eleitorais dos principais partidos políticos e alianças partidárias definam um rumo claro para o sistema fiscal português, num plano que terá de incluir medidas a curto, médio e longo prazo, por forma a desenvolver um modelo sustentável para Portugal, que não ponha em causa a capacidade de atração de IDE e que não descure a importância dos agentes nacionais, qualquer que seja a sua dimensão e atividade, e impacto estratégico na dinamização da economia.
[1] https://taxfoundation.org/wp-content/uploads/2023/10/TF-ITCI23-Book_16-10_FV.pdf
[2] https://www.oecd.org/tax/beps/corporate-tax-statistics-database.htm
[3] https://www.ey.com/pt_pt/news/2023/09/ey-attractiveness-survey