Na última década, o mercado financeiro tem registado uma forte transformação, com o surgimento de novos players e modelos de financiamento. Este movimento tem-se feito sentir em especial no setor imobiliário, onde alternative lenders têm vindo a ganhar terreno à banca tradicional, oferecendo soluções inovadoras e adaptadas às necessidades de um setor em constante e crescente evolução.
A intensificação da regulamentação sobre a banca após a crise financeira de 2008, com foco na necessidade de aumento da solvabilidade e solidez financeira das instituições bancárias, poderá ter sido um primeiro impulsionador desta tendência, com os bancos a serem sujeitos a requisitos de capital mais elevados e obrigados a implementar processos e critérios de avaliação de risco mais conservadores.
Com este enquadramento, começam a ficar sem resposta um número significativo e crescente de projetos imobiliários que deixam de passar nos apertados testes de risco da banca tradicional.
Esta lacuna de mercado veio sendo preenchida por private lenders, que revelam um perfil de risco mais agressivo, bem como um maior foco na inovação e especialização setorial, com oferta de produtos e modelos de financiamento inovadores e um conhecimento mais profundo das tendências e desafios do mercado imobiliário e das necessidades dos players do setor.
Estima-se que esta tendência mantenha a sua trajetória de crescimento, mesmo considerando os custos mais elevados destas alternativas de financiamento, cujo preço reflete a maior flexibilidade na aceitação de projetos com maior risco percebido, bem como de posições subordinadas.
Adiversificação de atores e modelos de financiamento tem trazido inúmeros desafios, de natureza regulatória e fiscal.
Nesta matéria, o quadro tributário português oferece hoje algumas soluções importantes para uma execução eficaz de operações de financiamento alternativo. No entanto, se alguns dos regimes fiscais contam já décadas de vigência, a mais recente e aguardada resposta surgiu apenas recentemente, com a definição daquele que é hoje o regime fiscal aplicável aos organismos de investimento alternativo de créditos, comumente designados fundos de créditos ou loan funds, cuja existência se tornou possível, no plano jurídico, em 2019, mas cujo regime fiscal só recentemente foi aprovado. Foi apenas em junho deste ano, através de um diploma que aprovou um conjunto de medidas fiscais para a dinamização do mercado de capitais, que ficou definido o regime fiscal aplicável a estes veículos.
Os fundos de créditos são fundos de investimento cujo objeto consiste na concessão de empréstimos ou na aquisição de empréstimos originados pela banca, incluindo em incumprimento, e que surgiram na Europa no período pós crise financeira de 2008, precisamente para dar resposta às necessidades de financiamento das PME que a banca tradicional não conseguia atender.
Com o diploma recentemente aprovado, os fundos de crédito estão sujeitos ao regime fiscal já há muito estabelecido para os fundos de capital de risco, estando assim isentos de IRC quanto aos rendimentos de qualquer natureza que venham a obter e que maioritariamente serão juros de créditos concedidos ou adquiridos ou ganhos no respetivo reembolso ou cessão. Por outro lado, estarão igualmente isentas de imposto as distribuições de lucros que estes fundos venham a fazer a favor de participantes estrageiros, assim permitindo uma otimização da carga fiscal diretamente aplicável aos lucros gerados através destes veículos em operações de financiamento alternativas à banca tradicional.
Não obstante existirem outros regimes fiscais que se têm revelado muito eficazes na captação de financiadores internacionais, como o regime aplicável a emissões obrigacionistas, o recurso aos fundos de dívida permite, não só uma vertente de agregação de financiadores numa mesma estrutura de investimento, com ganhos de escala, mas também uma maior diversidade nas opções de financiamento com uma estrutura de custos eficaz e uma estrutura de gestão profissionalizada.
A proteção de sistemas fiscais que promovam o investimento e financiamento estrangeiro em projetos nacionais, em especial no setor imobiliários, tem vindo a ser recomendada, especialmente numa era em que o investimento imobiliário é crítico na oferta de mais e melhor habitação, na regeneração das cidades ou no contínuo dinamismo de um dos setores mais relevantes da nossa economia – o turismo. Espera-se assim que a figura dos loan funds venha a curto espaço ocupar um papel relevante no segmento de private debt, com especial exposição ao mercado imobiliário, consolidando a posição deste setor face ao da banca tradicional.
Não obstante reconhecermos o mérito do regime fiscal destes veículos, ficam ainda por regular alguns aspetos chave, como o alargamento do mesmo a players estrangeiros que se organizem de forma juridicamente equivalente à dos fundos de crédito portugueses, o que desde já suscita dúvidas quanto à compatibilidade do regime com os princípios de direito europeu de não-discriminação e assim abrindo (mais) uma porta à litigância em matéria fiscal.
Em conclusão, à medida que o mercado imobiliário se torna cada vez mais dinâmico, diversificado e exigente, os alternative lenders continuarão a conquistar o seu espaço, sendo expectável que se venham a consolidar como peça fundamental no financiamento de projetos imobiliários inovadores e rentáveis, com benefício inegável para a indústria imobiliária. O quadro regulatório e fiscal parece não estar alheio a este movimento e tem vindo a adaptar-se a novas realidades, ainda que a um ritmo mais vagaroso e menos claro do que o pedido pelos players do setor.