As vendas em regime de consignação têm vindo a ser adotadas pelos sujeitos passivos, como uma forma de reduzir o tempo de entrega das mercadorias, dando uma resposta mais rápida às necessidades do mercado. Em termos gerais, a utilização deste regime de vendas entre operadores de diferentes Estados-Membros (EM) da União Europeia (UE) determina uma transferência de bens próprios entre EM, por parte do fornecedor, o que resulta na existência, para efeitos de IVA de duas operações tributáveis – uma transmissão intracomunitária de bens no país de origem e uma aquisição intracomunitária de bens no país de destino (no qual o fornecedor detém um stock até que a propriedade dos bens se transfira para o cliente). Assim, durante muito tempo, estas operações determinaram a necessidade de registo para efeitos de IVA, do fornecedor, no EM de destino de bens, para aí reportar a correspondente operação assimilada a uma aquisição intracomunitária de bens (seguida de venda doméstica).
Em 2018, a Diretiva UE 2018/1910, do Conselho, de 4 de dezembro, atualizou a Diretiva 2006/112/CE, de 11 de dezembro (“Diretiva IVA”), no sentido de garantir, entre outras alterações, a harmonização das regras relativas às transações intracomunitárias em regime de consignação, através da consagração de um procedimento simplificado de call-off stock. Este regime – que, em Portugal, foi acolhido pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, que alterou o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) – permitia que, mediante determinadas condições, não fosse exigido um registo para efeitos de IVA dos sujeitos passivos vendedores no território de outros EM onde efetuassem vendas em regime de consignação, traduzindo-se numa redução da carga burocrática e dos respetivos custos administrativos para os sujeitos passivos.
Cerca de três anos volvidos, vem agora a proposta da Comissão Europeia a respeito do “IVA na Era Digital” propor a abolição das disposições da Diretiva IVA relativas ao regime de vendas à consignação, a partir de 31 de dezembro de 2024 (os bens fornecidos ao abrigo de acordos pré-existentes poderão continuar com o regime até 31 de dezembro de 2025). Estas alterações são justificadas pela introdução do novo regime de simplificação do balcão único para a transferência de bens próprios, que contempla a circulação transfronteiriça de bens atualmente abrangidos pelo regime das vendas à consignação.
De facto, se relativamente às transações intracomunitárias em regime de consignação, a legislação comunitária previa já, conforme referido, um mecanismo de simplificação que permitia que os sujeitos passivos não necessitassem de se registar no território de outros EM (call-off stock simplification), este registo no EM onde o IVA fosse devido poderia ser exigido para outras operações que envolvessem transferências de bens próprios dos sujeitos passivos entre EM.
Com a introdução do novo “Regime especial das transferências de bens próprios”, passa a estar previsto que qualquer sujeito passivo que efetue transferências de bens próprios (com exceção dos bens de investimento ou de bens que não conferem o direito à dedução total do IVA no EM em que é efetuada a aquisição intracomunitária) poderá registar-se para utilizar este regime especial, caso em que todas as suas transferências relevantes passarão a ser reportadas apenas junto do EM de identificação (assim como as respetivas obrigações, em sede de IVA, a respeito destas operações). Em termos gerais, entende-se que o reporte das operações abrangidas por este regime deverá decorrer em moldes semelhantes aos já previstos para as vendas à distância intracomunitárias de bens, quando reportadas através do sistema de balcão único, evitando que o sujeito passivo tenha necessidade de se registar no EM onde o imposto seja devido. Naturalmente, este regime põe em causa a utilidade prática do até agora vigente call-off stock simplification, que deixará, assim, de ser aplicável.
Sem prejuízo dos novos esclarecimentos que ainda possam surgir a respeito deste tema, à medida que a data da entrada em vigor das alterações propostas se aproxime, bem como a respetiva transposição das mesmas para o ordenamento jurídico-tributário nacional, a adoção deste novo regime comportará certamente desafios para as empresas envolvidas em operações de vendas à consignação transfronteiriças, que deverão, atempadamente, tomar medidas tendo em vista a preparação dos seus sistemas e processos internos, bem como eventuais revisões de contratos com clientes e fornecedores e respetivo enquadramento em sede de IVA, de modo a assegurar o cumprimento das novas regras no âmbito do “Regime especial das transferências de bens próprios”.