O setor vitivinícola é tradição, património de uma comunidade, paixão, gosto, conhecimento. É também um dos setores com maior capacidade transformativa. Da agricultura, ao enoturismo, da alavancagem da hotelaria e restauração, em particular, ao turismo regenerativo, à criação de valor na cadeia de abastecimento. Da criação de memórias e da criação de futuro. Como? Apostando na transformação e na excelência, defendendo a qualidade do produto e, desta forma, contribuindo para o controlo e certificação da matéria-prima, a erradicação de práticas comerciais desleais ou ainda os desafios que as alterações climáticas impõem (de entre outros, na inovação agrícola, o combate a pragas, ou, inclusive, a redefinição das principais métricas dos seguros agrícolas).
O setor do vinho em Portugal é marcado por uma forte presença de pequenos produtores (considerando-se como tal nos termos do n.º 2 do artigo 81.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, as pessoas que produzem, em média, menos de 1000 hectolitros/por ano). Estes microprodutores têm um contributo fundamental para o incremento da diversidade e resiliência da produção nacional. Apesar dos desafios, tais como o envelhecimento dos consumidores regulares desta categoria de bebidas ou as alterações dos padrões de consumo entre as novas gerações, o setor mostra uma considerável capacidade de adaptação.
Exemplos?
Ainda que a produção nacional de vinho sem álcool seja ainda residual, com menos de 20 marcas disponíveis, a tendência é de crescimento, para cativar os consumidores mais jovens.
O setor vitivinícola nacional é maioritariamente composto por pequenas explorações familiares. Só nas regiões Norte e Centro, estimam-se que existam cerca de 12.000 microprodutores; em Lisboa e Tejo, 8.000; no Alentejo, 6.000; no Algarve, 500; na Madeira, 300; e nos Açores, 200. Estes microprodutores (a produção média estima-se que varie entre 5.000 e 10.000 litros) contribuem para a diversidade regional (igualmente para as rotas de vinho e experiências gastronómicas). Por outro lado, a aposta em práticas sustentáveis numa tríplice vertente: ambiental, social e económica. Destaque-se, por exemplo, os recentes projetos na linha de Cascais (em particular, Carcavelos) de vinhas em modo biológico e regenerativo ou a aplicação de técnicas de enrelvamentos para maior proteção dos solos.
A paisagem do Douro, classificada como Património Mundial pela UNESCO, simboliza a ligação entre tradição, cultura e inovação, ora elementos que aliados, ali como em regiões como o Alentejo, Madeira ou Açores por via da promoção do enoturismo potenciará a atração de turistas, aumentando o valor acrescentado local.
Mas o setor enfrenta desafios. Desde logo, a necessidade de adaptação às alterações climáticas. O apoio à investigação para o controlo de pragas e fortalecimento das castas são essenciais (como os atuais projetos para desenvolver novas técnicas de viticultura sustentável, digitalização de processos e valorização de castas autóctones, no INIAV e UTAD, por exemplo). O reforço do apoio financeiro europeu para investimento no robustecimento da resposta e adaptação das culturas europeias também vem sendo defendido, bem como, o controlo das importações a nível europeu e nacional de uva e vinhos subordinado a dossiers específicos.
Por outro lado, a harmonização e digitalização da rotulagem a nível europeu, podem facilitar a a exportação de vinhos portugueses para mercados como os Estados Unidos da América, Canadá e Japão, reduzindo custos para pequenos produtores do Dão, Bairrada ou Açores, ou de qualquer outra região produtora. Também o apoio à criação de plataformas digitais para venda direta ao consumidor ou a flexibilidade nos planos estratégicos dos Estados-Membros (destilação voluntária ou colheitas) são de equacionar.
Em termos bastante gerais, as recomendações do Grupo de Alto Nível da UE apontam justamente nas direções supra mencionadas, como sejam a necessidade de alinhar a produção com a procura, reforçar a resiliência climática e económica face aos novos padrões de consumo e de mercado, e apostar na inovação e digitalização.
Portugal tem aqui uma oportunidade única para consolidar a sua posição internacional, valorizando o seu património intrínseco e promovendo práticas sustentáveis e inovadoras, até porque o setor vitivinícola português continua a ser um pilar da economia, combinando tradição com uma notável capacidade de adaptação. Em 2024, a produção de vinho cresceu 10,1%, atingindo cerca de 7,4 milhões de hectolitros, recuperando da quebra registada em 2023. O grau de autoaprovisionamento subiu para 117,4%, reforçando a autossuficiência do país, ainda que as exportações apresentem quedas sucessivas em 2023 e 2024. Já o consumo interno mantém-se estável, com o vinho a representar cerca de 60% das bebidas alcoólicas consumidas, sendo preferida, por homens e acima dos 45 anos.
O futuro do vinho português depende da capacidade de equilibrar tradição e modernidade, mantendo e reforçando a qualidade do vinho português, e respondendo aos desafios globais sem perder a identidade que faz do vinho um verdadeiro embaixador de Portugal no mundo.