Opinião

Operações neutrais realizadas com transferência de elementos patrimoniais a valores de mercado? Porque não?

O regime da neutralidade fiscal impõe um princípio de identidade fiscal no que respeita aos elementos patrimoniais transmitidos no âmbito de operações abrangidas pelo mesmo, o qual determina a manutenção das bases fiscais dos elementos patrimoniais abrangidos. Não obstante, a experiência diz-nos que o princípio acima é ainda muitas vezes confundido com o da identidade contabilística (o qual chegou a vigorar para operações de fusão, cisão e entradas de ativos em versões anteriores do regime da neutralidade fiscal) e que em várias operações de reorganização a tomada de decisão, no que respeita à valorização da transação, ainda é condicionada pelo pressuposto (incorreto) de que a aplicação do regime da neutralidade fiscal impossibilita que, contabilisticamente, a transação se efetue a valores de mercado. Este condicionamento determina que na escolha do método de valorização não se considerem fatores importantes capazes de orientar a decisão de gestão num ou noutro sentido. De facto, apesar de a transmissão de elementos patrimoniais a valores contabilísticos no âmbito de operações fiscalmente neutras tipicamente facilitar a função fiscal das empresas intervenientes (uma vez que evita o apuramento de resultados contabilísticos na sociedade cujo património é destacado e consequentes ajustamentos na respetiva declaração Modelo 22 e tendencialmente proporciona…

O regime da neutralidade fiscal impõe um princípio de identidade fiscal no que respeita aos elementos patrimoniais transmitidos no âmbito de operações abrangidas pelo mesmo, o qual determina a manutenção das bases fiscais dos elementos patrimoniais abrangidos.

Não obstante, a experiência diz-nos que o princípio acima é ainda muitas vezes confundido com o da identidade contabilística (o qual chegou a vigorar para operações de fusão, cisão e entradas de ativos em versões anteriores do regime da neutralidade fiscal) e que em várias operações de reorganização a tomada de decisão, no que respeita à valorização da transação, ainda é condicionada pelo pressuposto (incorreto) de que a aplicação do regime da neutralidade fiscal impossibilita que, contabilisticamente, a transação se efetue a valores de mercado.

Este condicionamento determina que na escolha do método de valorização não se considerem fatores importantes capazes de orientar a decisão de gestão num ou noutro sentido.

De facto, apesar de a transmissão de elementos patrimoniais a valores contabilísticos no âmbito de operações fiscalmente neutras tipicamente facilitar a função fiscal das empresas intervenientes (uma vez que evita o apuramento de resultados contabilísticos na sociedade cujo património é destacado e consequentes ajustamentos na respetiva declaração Modelo 22 e tendencialmente proporciona menores diferenças entre as bases contabilística e fiscal na sociedade beneficiária), a verdade é que uma valorização de mercado pode afigurar-se como a decisão mais sensata de um ponto de vista fiscal, nomeadamente em cenários em que se antecipe algum risco de questionamento por parte da Autoridade Tributária (“AT”) no que respeita à aplicação do regime da neutralidade fiscal.

Como se sabe, a aplicação da neutralidade fiscal está condicionada à verificação de diversos requisitos e alguns deles requerem alguma subjetividade de avaliação, nomeadamente as análises relativas aos ramos de atividade (necessária em determinadas modalidades de cisões e entradas de ativos) e a norma especial anti-abuso. A subjetividade da avaliação acaba por vezes por originar diferenças de entendimento entre sujeitos passivos e a AT no que respeita à elegibilidade da operação para efeitos do regime da neutralidade fiscal, sendo que a valorização deste tipo de transações a valor de mercado permite mitigar os riscos associados a eventuais correções por parte da AT, sem prejudicar, per si, a aplicação do próprio regime desejado.

O maior exemplo das vantagens associadas a este tipo de abordagem ocorre ao nível dos ativos sujeitos a depreciação e amortização, uma vez que a dedutibilidade fiscal das depreciações e amortizações está dependente da respetiva contabilização como gasto (seja no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores). Ora, caso na operação de reorganização os elementos patrimoniais sejam transmitidos a valores contabilísticos e a neutralidade fiscal da operação seja posteriormente questionada pela AT, apesar das correções ao nível da sociedade transmitente do património, a sociedade beneficiária poderá ter que continuar a praticar depreciações contabilísticas considerando a base contabilística transmitida (na ausência de ajustamentos correlativos), ao invés do valor de mercado. Neste cenário, a sociedade adquirente acabará por ver a sua depreciação / amortização fiscal limitada à base contabilística, quando poderia, em caso de transmissão dos elementos patrimoniais a valor de mercado, eventualmente aproveitar de uma atualização do valor dos ativos, incrementando os gastos fiscalmente aceites.

Em suma, a principal ideia a transmitir é a de que o caminho mais óbvio nestas situações poderá não ser o mais eficiente de um ponto de vista fiscal, sendo importante que o nível de conforto relativamente à aplicação do regime da neutralidade fiscal a uma determinada transação seja devidamente avaliado com especialistas, por forma a que a decisão ao nível da valorização da transação não origine ineficiências fiscais.