Considero, contudo, que poderia/deveria ter havido igualmente outras alterações no plano fiscal cristalizadas no OE 2020. Este OE pode, assim, equiparar-se a uma descrição no pretérito imperfeito, ou seja, referente a factos passados não concluídos inteiramente. De forma exemplificativa e necessariamente resumida elenco neste artigo alguns temas que entendo merecerem uma análise mais detalhada:
- A redução da taxa nominal de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), incluindo Derramas Municipal e Estadual – entre os países da OCDE apenas França, com uma taxa de 34,4%, suplanta a taxa portuguesa.
- O reporte indefinido de prejuízos fiscais, à semelhança do que existe noutros países da União Europeia.
- A eliminação (ou no mínimo, uma mitigação forte) de diferenças entre o Código do IRC e as normas contabilísticas. Cada vez mais empresas adotam o normativo internacional (IFRS) em detrimento do nacional (SNC), sem que se justifiquem diferenças de tratamento fiscal por uma mera decisão de referencial contabilístico utilizado. Como exemplos, urge uma clarificação formal sobre a relevância fiscal da IFRS 16 (locações). Seria igualmente salutar aproximar o processo de cálculo da mora fiscal para corresponder ao normativo previsto na IFRS 9.
- A equiparação do período de amortização fiscal do trespasse 20 anos para o período de amortização contabilístico (10 anos).
- A diminuição do prazo de detenção para que uma menos-valia fiscal de liquidação possa ser dedutível de 4 para 2 anos para eliminar um entrave a empreendedores que queiram arriscar novos projetos.
- O reforço do combate à evasão fiscal, por via de um incremento da tributação autónoma para 100% sobre pagamentos a entidades localizadas em territórios com regimes fiscais privilegiados (v.g. offshores) e despesas não documentadas.
- A reposição do prazo de 4 anos para corrigir a autoliquidação de IRC por parte dos sujeitos passivos com base em qualquer fundamento seria uma medida da mais elementar justiça por forma a nivelar os meios de defesa que já estão ao dispor da Autoridade Tributária e Aduaneira.
- A nível de benefícios fiscais, depois do sucesso da medida Converte+ no final do ano de 2019, seria igualmente importante a reposição do incentivo relacionado com a criação líquida de emprego como fator de promoção de emprego estável num contexto de abrandamento da redução do desemprego.
- A revisão do regime fiscal das realizações de utilidade social seria um meio de incentivar a poupança/reforma poderia passar por aumentar o limite de dedução dos atuais 15% para 20%. Poder-se-ia igualmente permitir a aceitação de gastos com creches, lactários e jardins de infância não geridos pelas entidades patronais, bem como os suportados com mensalidades de ginásios que não apenas os existentes nas instalações da entidade patronal. A extensão do regime do cheque-creche a mais anos (por exemplo, para a escolaridade obrigatória) seria uma forma simples e imediata de incrementar o rendimento disponível das famílias com os dependentes.
- A introdução de um Digital Sales Tax, à semelhança do que deverá suceder a curto prazo em Espanha, serviria para incrementar a base tributária. É um tema complexo, que carece de algum estudo, mas certamente há um caminho a percorrer.
- A alteração do OE 2020 em sede de Imposto do Selo sobre contratos de gestão centralizada de tesouraria poderia ser alargada para abranger participações maioritárias (acima de um patamar de 50% do capital social ou dos direitos de voto), em vez de apenas participações superiores a 75%. Seria igualmente vantajoso densificar na lei fiscal o conceito de operações de tesouraria (temática que já foi objeto de diversa jurisprudência) e retirar qualquer dúvida sobre se a referida isenção se aplica também a sociedades dominantes não residentes (seja na União Europeia ou fora da União Europeia).
- A reintrodução de um regime fiscal da interioridade seria uma medida para promover o combate à centralização do território e permitir uma maior mitigação de assimetrias regionais.
Por fim, importa ter presente que o crescimento médio do PIB nos últimos 10 anos foi de 0,4%, de acordo com o Fórum Económico Mundial (FEM), ou 0,25%, de acordo com a base de dados Pordata. Dos 141 países analisados pelo FEM neste horizonte temporal, Portugal é o 9.º país com pior resultado neste indicador.
Sendo o OE um instrumento crítico ao serviço do país e a fiscalidade uma componente importante do mesmo, o desafio que se coloca aos fiscalistas nos próximos anos é como utilizá-lo para melhorar o desempenho competitivo de Portugal. Se não antes, o OE 2021 é o meio ideal para completar tal desafio.