Sobre o que poderia ser feito de diferente para almejar uma mudança visível e não somente cosmética (a diminuição da receita de impostos diretos prevista para 2024 equivale a metade do aumento da receita estimada dos impostos indiretos) e nunca esquecendo que deve também ser feito um esforço para “domar” a despesa pública, apresento telegraficamente algumas ideias que ainda poderiam ser introduzidas no texto final a aprovar no Parlamento (nomeadamente, sede de discussão na especialidade):
- Num mundo em que a guerra pelo talento é global, para reter os jovens licenciados mais qualificados em Portugal, com efeitos positivos, nomeadamente na sustentabilidade da Segurança Social, insisto num regime idêntico ao defunto (?) regime dos Residentes Não Habituais (ou seja, taxa fixa de IRS de 20% aplicável durante os primeiros 10 anos de atividade profissional, conforme já defendi em ocasiões anteriores).
- Nesse mesmo mundo, para atrair a vinda de quadros altamente qualificados do estrangeiro para Portugal, não devemos limitar os incentivos fiscais em sede de IRS a carreiras docentes e de investigação científica, uma vez que há inúmeras vantagens competitivas que podem e devem ser potenciadas igualmente no meio empresarial (seja em matéria tecnológica, ambiental, energética, entre outras);
- Quando a fiscalidade recompensa um trabalhador da dita classe média que veja o salário aumentar por ter boa produtividade com cerca de 50% de tributação entre IRS e Segurança Social, poucos serão os que têm incentivo a dar a “extra mile“. Neste ponto, a sugestão passaria por uma simplificação do regime para apenas 3 escalões (por exemplo, rendimentos a partir do mínimo de existência seriam tributados a uma taxa de 10%, rendimentos até 60.000 euros seriam tributados a uma taxa de 20% e a partir desse patamar a taxa seria de 30%). Mesmo que faseada a simplificação do IRS para mitigar pressões inflacionistas, a médio prazo, incrementar-se-ia o rendimento disponível das famílias. A quebra de receita de IRS seria compensada por um incremento da receita de impostos sobre o consumo e do IRC, por via de um aumento do rendimento disponível das famílias.
- A revisão do regime fiscal das realizações de utilidade social poderia incentivar a poupança/reforma privada por via de um aumento do limite de dedução dos atuais 15% para 20% da massa salarial (a perda de receita de IRC no imediato seria compensada por uma maior robustez de longo prazo dos sistemas de previdência).
- Num mundo em que o capital é fluido, é crítico não afastar – mais ainda – investidores institucionais estrangeiros (v.g., private equities) que detêm património imobiliário localizado em Portugal, mas que, por motivos extrafiscais, podem ter veículos localizados em país, território ou região com um regime de tributação claramente mais favorável, constante de uma chamada “lista negra”, cujo propósito é concentrar fundos captados junto de investidores particulares localizados em múltiplas jurisdições.
Para este efeito, seria da mais elementar coerência sistemática: i) uniformizar a “lista negra” portuguesa que contém oitenta e três territórios (!) com a lista de dezasseis territórios não cooperantes em vigor ao nível da União Europeia; bem como ii) permitir que não fosse aplicada a taxa agravada de IMI de 7,5% (por oposição à taxa normal máxima de 0,45%) quando exista um acordo para troca de informações em matéria fiscal com a jurisdição do veículo – à semelhança do que está previsto desde 2013 no regime da dívida detida por entidades não residentes (DL 193/2005) ou, complementarmente, caso tais imóveis estivessem afetos a uma atividade comercial, industrial ou agrícola.
Por fim, importa recordar que o crescimento médio anual em termos reais do PIB português e o da Zona Euro desde 2002 foi de, respetivamente, 0,8% e 1,2%, de acordo com o Eurostat. Entre 20 países, Portugal é o 3.º país com pior resultado neste indicador. Diz-se que é insanidade fazer o mesmo e esperar um resultado diferente. Seria bom para todos que este OE não trouxesse mais do mesmo.