Opinião

Portugal e o IRC

As empresas (e.g. sociedades) são uma ficção jurídica (não existem fisicamente), pelo que o IRC que incide sobre o seu lucro é na realidade sempre suportado por pessoas (“de carne e osso”), seja no papel de acionistas, trabalhadores, clientes, ou até fornecedores. O debate acerca de quem realmente suporta os impostos sobre as empresas é uma das questões mais interessantes da investigação na área da economia tributária. Ainda que a resposta acerca de quem paga o IRC seja complexa (e muitas vezes desconhecida), sabemos que os impostos sobre os lucros são um forte condicionante da atividade empresarial, nomeadamente ao nível das decisões de investimento e financiamento, bem como, e numa perspetiva alargada, do crescimento económico, através do impacto dos impostos em variáveis como a produtividade e o investimento. Portugal tem mantido, desde há alguns anos, a taxa nominal (agregada) de imposto mais elevada da UE (31,5%), pese embora saibamos que se trata de uma taxa progressiva (devido aos escalões da Derrama Estadual), e que existam incentivos não generalizados de apoio ao investimento que aumentam a complexidade de análises comparativas do assunto para o caso português. Acerca deste tema, foi publicado no passado mês de novembro pela OCDE, o relatório “Corporate…

As empresas (e.g. sociedades) são uma ficção jurídica (não existem fisicamente), pelo que o IRC que incide sobre o seu lucro é na realidade sempre suportado por pessoas (“de carne e osso”), seja no papel de acionistas, trabalhadores, clientes, ou até fornecedores. O debate acerca de quem realmente suporta os impostos sobre as empresas é uma das questões mais interessantes da investigação na área da economia tributária.

Ainda que a resposta acerca de quem paga o IRC seja complexa (e muitas vezes desconhecida), sabemos que os impostos sobre os lucros são um forte condicionante da atividade empresarial, nomeadamente ao nível das decisões de investimento e financiamento, bem como, e numa perspetiva alargada, do crescimento económico, através do impacto dos impostos em variáveis como a produtividade e o investimento.

Portugal tem mantido, desde há alguns anos, a taxa nominal (agregada) de imposto mais elevada da UE (31,5%), pese embora saibamos que se trata de uma taxa progressiva (devido aos escalões da Derrama Estadual), e que existam incentivos não generalizados de apoio ao investimento que aumentam a complexidade de análises comparativas do assunto para o caso português.

Acerca deste tema, foi publicado no passado mês de novembro pela OCDE, o relatório “Corporate Tax Statistics: 4th Edition” em que Portugal se destaca em alguns aspetos.

Em primeiro lugar, de uma análise comparativa de 77 jurisdições (em 2021) Portugal apresenta uma das maiores diferenças entre a taxa efetiva média e a taxa nominal (6,4p.p.), apenas sendo suplantado na amostra por Itália (6,5p.p.) e Malta (6,6p.p.).

De igual modo, nesse relatório é salientado que Portugal possui um dos incentivos fiscais à I&D mais generosos da amostra, a par da Eslováquia e França.

 

Ora, considerando os destaques no relatório da OCDE acima referidos, importa referir que a receita do IRC atingiu em 2021 cerca de 4,8 mil milhões de Euros (aprox.) sendo fortemente condicionada pelos dois maiores incentivos fiscais no âmbito daquele imposto: o SIFIDE e o RFAI. Segundo dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, no exercício fiscal de 2021 foram deduzidos pelos contribuintes ao IRC apurado um valor de 199 e 408 milhões de Euros (aprox), a título de RFAI e SIFIDE, respetivamente.

O RFAI, trata-se de um incentivo (com o estatuto comunitário de auxílio de estado com finalidade regional) exclusivo de um conjunto de regiões e setores de atividade, no qual é atribuído um crédito fiscal de 10%-25% das despesas de investimento. Por outro lado, o SIFIDE trata-se de um crédito fiscal calculado a partir de despesas de I&D.

 

Considerando este enquadramento, fica claro que o IRC português é caracterizado por uma taxa nominal (agregada) muito elevada, que tenta ser compensada com incentivos fiscais generosos ao investimento (nomeadamente em I&D) de forma a responder a um aparente consenso na literatura cientifica que afirma que taxas mais elevadas de impostos sobre os lucros reduzem o investimento (nomeadamente com origem no exterior) e despesas com I&D (Martin Jacob, 2021, Real effects of corporate taxation: A Review, European Accounting Review).

Finalmente, desta caracterização do IRC também resulta que as empresas sem acesso ao RFAI (devido à sua localização ou setor de atividade) e ao SIFIDE (devido à ausência de projetos de I&D aprovados pela Agência da Inovação), poderão suportar taxas de imposto substancialmente superiores às restantes.